Terça-feira, 07 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 11 de abril de 2020
Até a pandemia do coronavírus, a cloroquina era conhecida como um medicamento usado no tratamento de doenças como malária, lúpus e artrite reumatoide. Com o avanço da covid-19 e sem uma terapia comprovada cientificamente para combatê-la, médicos ao redor do mundo passaram a testar diversas drogas e associações entre elas, especialmente para os casos mais graves – e a cloroquina é uma delas.
Ao menos 65 estudos estão sendo realizados no mundo para investigar a eficácia da cloroquina e hidroxicloroquina contra a covid-19. Por enquanto, três foram finalizados, dois chineses e um francês, e os resultados são controversos. Mas, diante da falta de uma opção certeira e apesar de efeitos colaterais graves, como arritmia cardíaca e problema de visão, há médicos que vêm utilizando a droga, especialmente em pacientes em estado grave ou crítico.
O que era mais um medicamento sendo receitado na luta contra a covid-19 ganhou destaque após ser citado pelos presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump, dos EUA, como possível solução para a pandemia.
Nas últimas semanas, governos, agências regulatórias e entidades médicas autorizaram o uso compassivo do remédio para pacientes internados (para quando não há outra opção de tratamento), mas ressaltaram que os estudos finalizados até agora não permitiam ampliar a recomendação para pacientes leves nem garantir a ausência de efeitos colaterais.
Entidades médicas e de saúde tratam o tema com cautela. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que os possíveis benefícios de cloroquina apresentados nas pesquisas chinesas e francesa “precisam de confirmação por meio de estudos randomizados (quando os pacientes de cada grupo são escolhidos aleatoriamente)” e afirma estar “preocupada com relatos de indivíduos se automedicando com cloroquina e causando sérios danos a si próprios”.
A Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) também ressaltam a falta de evidências e desaconselham o uso mais amplo. “Enquanto aguardamos a emergência de novos ensaios clínicos randomizados multicêntricos para avaliar os benefícios da contribuição de cloroquina / hidroxicloroquina no tratamento da covid-19, esses medicamentos não devem ser prescritos de modo generalizado e indiscriminado nos casos leves e ambulatoriais da doença”, disse a ASBAI.
Já a SBI afirmou em comunicado considerar o tratamento como “terapia de salvamento experimental”, cujo uso deve ser “individualizado e avaliado pelo médico prescritor, avaliando seus possíveis efeitos colaterais e eventuais benefícios”.
O Ministério da Saúde vem embasando suas diretrizes na revisão da literatura científica realizada por um grupo de cientistas brasileiros de instituições como os hospitais Sírio-Libanês e Oswaldo Cruz. É esse trabalho que afirma que 65 estudos estão em andamento e que 3 foram concluídos, com resultados controversos.
De acordo com os pesquisadores, são várias as limitações e falhas das pesquisas, como amostras pequenas de pacientes, falta de um grupo controle (pacientes que tomaram placebo) e ausência de metodologia duplo-cego, ou seja, quando nem pesquisadores nem pacientes sabem quais doentes estão recebendo o medicamento.
A principal polêmica, agora, é justamente a ampliação da autorização do uso do remédio para qualquer paciente com a infecção. O governo do Estado de São Paulo e a Prefeitura deram aval para a utilização na rede pública contanto que haja recomendação médica e consentimento do paciente, que precisa ser informado dos riscos.
O relatório aponta que as pesquisas são consideradas “pequenas e com alto risco de viés, principalmente associado à falta de mascaramento”. O termo refere-se ao problema dos chamados estudos abertos, nos quais pesquisadores e pacientes sabem quais grupos estavam tomando o remédio e quais estavam recebendo placebo, o que pode influenciar os resultados. É por esse risco de influência que o “padrão-ouro” da pesquisa clínica é o estudo randomizado, com grupo controle e duplo-cego.