Menos de 48 horas após a exumação do corpo de um idoso sepultado em setembro na cidade de Canoas (Região Metropolitana de Porto Alegre), o Instituto-Geral de Perícias confirmou nessa sexta-feira (10) as desconfianças de ele que foi vítima de envenenamento. Trata-se do sogro da mulher presa em Torres (Litoral Norte) como suspeita de ter adicionado alta dose de arsênio, substância letal, em uma torta cujo consumo causou as mortes de três parentes no final de dezembro.
A suspeita – em prisão temporária desde o último domingo (5) – responderá criminalmente por quatro homicídios triplamente qualificados, além de três tentativas de homicídio. Ao divulgar o resultado da análise no material coletado mediante exumação, o titular da Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP-RS), Sandro Caron, enalteceu a rapidez de todo o processo:
“Esse trabalho pode ser um marco para novos protocolos para mortes suspeitas. Crimes cometidos dentro do seio familiar são desafiadores, porque não podem ser prevenidos com policiamento. Quero parabenizar todos os que atuaram incansavelmente para encontrar provas técnicas contundentes”.
Inicialmente tratada como decorrência de intoxicação alimentar, a morte do idoso corroborou a direção tomada pela investigação, de que os sintomas relatados (hemorragia, vômito etc) eram compatíveis com os verificados nos óbitos das demais vítimas.
Amorfo e inodoro, tem a aparência de um pó branco ou levemente acinzentado. Adquirido pela suspeita, o veneno foi dissimulado em grandes quantidades em itens de consumo para praticar os crimes: leite em pó e farinha de trigo. Sua configuração como veneno pode ser rastreada por meio de coleta nos rins, o fígado, unhas e cabelo.
A diretora-geral o IGP, Marguet Mittmann, acrescentou que os níveis de arsênio encontrados em várias amostras durante a investigação são letais: “O resultado não deixa dúvidas da intenção de causar a morte e elimina qualquer possibilidade de contaminação acidental. Assim, como nas vítimas examinadas após a morte em Torres, constatamos que a vítima exumada teve como causa da morte envenenamento por arsênio”.
Novo alerta
Os quatro assassinatos trazem um novo alerta as autoridades, sobre a facilidade com que a suspeita teve acesso ao arsênio, comprando pela internet e recebendo pelo serviço dos Correios, e também a característica acidental da morte por intoxicação alimentar. A delegada Regional de Capão da Canoa, Sabrina Deffente, comenta esse aspecto.
“Vamos ampliar a integração com a área da saúde para estabelecer novos protocolos em casos de intoxicação alimentar, para que a Polícia Civil investigue casos como este. Inclusive, durante as investigações descobrimos que a suspeita tentou forçar que a família optasse pela cremação do sogro, para apagar os vestígios do crime, mas ela não conseguiu uma assinatura médica necessária para casos de cremação”.
A celeridade dos trabalhos foi acompanhada de muito cuidado para garantir os direitos humanos e a segurança jurídica do inquérito. A prova testemunhal já garantia a prisão da suspeita, mas o delegado Marcos Veloso, que investiga o caso, foi cauteloso e, certo das provas que já tinham, aguardou a confirmação da prova pericial.
“Fizemos a revogação de um primeiro pedido de prisão, aguardando o momento certo de fazer um novo pedido, com mais elementos técnicos e incontestáveis. Iremos permanecer nas investigações, para finalizar um inquérito perfeito e não descartamos, inclusive, que ela tenha cometido outros crimes. Posso dizer que se trata de uma pessoa fria, que premeditou o crime e tinha respostas prontas para tentar desviar as suspeitas”, afirmou o delegado.
Com as provas que indicam que a suspeita estava afastada do núcleo familiar e se aproximou para poder executar o plano de envenenamento, o crime tem o acréscimo de uma qualificadora, passando a ser um triplo homicídio triplamente qualificado, uma tripla tentativa de homicídio, além do homicídio triplamente qualificado do sogro, ocorrida em setembro, em Arroio do Sal. As qualificadoras deste crime são: motivo fútil, dissimulação e emprego de veneno.
“Crimes em série”
Na mesma coletiva de imprensa a SSP apresentou outros detalhes, como o fato de que a mulher apontada como autora do envenenamento da torta pesquisou sobre o arsênio e comprou ao menos quatro vezes (ao longo de quatro meses) a substância, encontrada em altos níveis em amostras do alimento consumido pelas vítimas. A aquisição foi feita pela internet, com entrega pelos Correios.
Diretora regional da Polícia Civil no Litoral Norte, a delegada Sabrina Deffente chegou a comparar o caso a “assassinatos em série”.
A acusada, de 60 anos, é mantida preventivamente desde o domingo (5), por um prazo mínimo de 30 dias, no Presídio Estadual Feminino de Torres. Ela teria agido sozinha, motivada por antigas desavenças familiares ocorridas há cerca de 20 anos com as vítimas. Um crime, portanto, passional.
Quem são as vítimas
O veneno foi adicionado à farinha utilizada pela sogra na elaboração de uma torta cujo consumo, no dia 23 de dezembro, matou duas irmãs desta última (65 e 58 anos). O marido de uma delas e uma criança de 10 anos também passaram mal após ingerir o bolo, mas sobreviveram, assim como a sogra, a última a receber alta – nessa sexta-feira, após quase três semanas de internação.
Peritos identificaram no alimento a presença de altíssimos níveis de arsênio, substância encontrada na natureza e altamente tóxica, sendo utilizada na produção de venenos e pesticidas – nesse caso, é popularmente conhecido como “arsênico” (trióxido de arsênio). Sua vende é controlada no Brasil, sendo proibido o uso como raticida, por exemplo.
(Marcello Campos)