Domingo, 05 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 30 de dezembro de 2024
Em termos reais, o peso argentino valorizou-se mais em 2024 do que qualquer outra moeda no mundo, aumentando a popularidade do presidente libertário da Argentina, Javier Milei, apesar de economistas questionarem a sustentabilidade do alto patamar dos preços dos bens e serviços no país.
O peso valorizou-se 44,2% nos primeiros 11 meses de 2024 em relação a uma cesta de moedas dos principais parceiros comerciais, em termos ajustados à inflação anual de três dígitos da Argentina, segundo dados do Banco de Compensações Internacionais (BIS) analisados pela consultoria argentina GMA Capital. O desempenho supera com folga a alta de 21,2% na lira turca, pelo mesmo critério, que vem em segundo lugar.
A valorização da taxa oficial de câmbio, que é definida pelo governo, tem se replicado nos vários mercados paralelos, legais e ilegais, nos quais os argentinos compram dólares, já que têm acesso apenas restrito ao câmbio oficial.
A tendência de alta mostrou-se popular entre os argentinos, que viram seu salário médio quase dobrar, em dólares, para US$ 990, entre dezembro de 2023 e outubro de 2024, no câmbio paralelo, depois de sete anos de depreciação quase constante.
Mas isso tem um custo. O Banco Central da República Argentina (BCRA) encontra dificuldades para reconstruir suas reservas internacionais, praticamente exauridas, uma vez que precisa gastar dólares para manter o peso forte.
Na quinta-feira, o BC argentino fez a maior venda de dólares em um dia desde outubro de 2019, depois que o governo Milei eliminou um imposto sobre importações. Isso impulsionou a demanda das empresas por dólares. O país vendeu US$ 599 milhões em reservas cambiais, disseram autoridades monetárias. A maior parte das vendas foi feita para atender às necessidades da indústria automotiva argentina, que paga seus fornecedores no exterior em dólares.
Agora, alguns analistas alertam que a rápida desvalorização do real no Brasil e uma possível onda de tarifas de importação do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, poderão tornar a Argentina vulnerável ao risco de uma desvalorização repentina.
“O programa de Milei está funcionando, mas a valorização do peso é o maior risco daqui para frente”, disse Ramiro Blázquez, chefe de análises do banco de investimentos BancTrust. “Se o peso continuar a se valorizar ou se houver um grande choque externo, a demanda por dólares baratos pode decolar, elevando o risco de desvalorização.”
A moeda mais forte — apelidada de “superpeso” pelos meios de comunicação locais — vem sendo sentida nos preços, em dólares, na Argentina. Um hambúrguer Big Mac custa o equivalente a US$ 7,90, em comparação aos US$ 3,80 em 2023, pela taxa oficial. Em dezembro, a siderúrgica Ternium alertou que os custos trabalhistas na Argentina ficaram “60% mais caros” do que no Brasil.
De forma reservada, líderes empresariais dizem temer que essa dinâmica possa começar a prejudicar a competitividade das exportações argentinas.
O peso forte é um efeito colateral dos esforços de Milei para estabilizar uma economia que estava à beira da hiperinflação quando ele assumiu o cargo há um ano.
Além de um programa severo de austeridade, ele manteve os controles cambiais rigorosos que herdou. Após uma grande desvalorização inicial em dezembro de 2023, ele manteve o peso relativamente estável ao longo de 2024. Em termos nominais, o valor da moeda desvalorizou-se apenas 18% nos primeiros 11 meses, embora a inflação no mesmo período tenha sido de 112%.
Milei, um economista que trabalhou no setor privado, diz que uma nova desvalorização poderia tirar dos trilhos sua bem-sucedida estabilização macroeconômica.
Ele argumenta que a Argentina pode se tornar competitiva por meio da desregulamentação da economia, da redução de impostos e da melhora ao acesso ao crédito. O governo também espera nos próximos anos uma diminuição na escassez de moeda estrangeira no país, quando os investimentos em grande escala nas reservas de lítio e de petróleo e gás de xisto resultarem no aumento das exportações.
“A Argentina sempre recorreu a uma taxa de câmbio mais fraca para resolver nossos problemas de competitividade, e isso gerou muitas crises em nossa história”, disse Nery Persichini, chefe de análises da GMA Capital. “Agora, os tempos estão mudando.”
A pressão por uma desvalorização oficial no curto prazo diminuiu, dado o fortalecimento do peso nos mercados paralelos nos últimos seis meses. As informações são do jornal Financial Times e da agência de notícias Bloomberg.