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Saúde Pesquisa visa mapear cientificamente os efeitos no cérebro de componentes da cannabis para aumentar sua aplicação contra doenças

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Atualmente, o País permite a compra de produtos autorizados pela Anvisa e importação. (Foto: Reprodução)

A espanhola Callie Seaman tinha 16 anos quando começou a fumar cannabis para controlar a epilepsia. Os ataques tinham começado dois anos antes e afetaram a sua capacidade de levar uma vida funcional; antes era uma excelente aluna, mas desde o diagnóstico seu desempenho acadêmico foi prejudicado. O ano era 1997 e, nessa altura, a cannabis, mesmo quando utilizada para fins terapêuticos, ainda era ilegal em toda a Europa. Quem quisesse comprar era obrigado a negociar com traficantes nas ruas ou a confiar essa tarefa a um intermediário. Agora, uma pesquisa visa mapear cientificamente os efeitos no cérebro de componentes da cannabis para aumentar sua aplicação contra doenças.

As leis relativas à cannabis mudam de tempos em tempos. Em quase todos os países europeus, um dos seus ingredientes ativos, o canabidiol, ou CBD, é legal. Mas, na maioria dos casos, a cannabis para consumo pessoal não é legal, embora a maconha medicinal esteja cada vez mais difundida no continente.

“Entender como funciona nunca foi tão importante como agora, pois isso nos permitiria encontrar formas de utilizá-la na medicina e reduzir os possíveis efeitos nocivos do seu consumo para fins recreativos”, explica Micah Allen, professor do Centro de Neurociência Integrada Funcional da Universidade de Aarhus, na Dinamarca.

Acredita-se que alguns compostos de cannabis ajudam a aliviar a depressão, a ansiedade, o vício, a dor crônica, as doenças inflamatórias e as náuseas associadas à quimioterapia, entre outros problemas. E embora a cannabis possa ser utilizada de forma abusiva — algumas pessoas, como adolescentes ou mulheres grávidas, provavelmente deveriam evitá-la completamente – os cientistas europeus estão tentando encontrar uma forma de tirar o máximo partido das propriedades promotoras da saúde de alguns dos seus componentes.

Allen lidera um projeto de investigação que recebeu financiamento da União Europeia para desvendar os efeitos de alguns compostos de cannabis, como o CBD, na saúde humana. Esta iniciativa de cinco anos, denominada Cannabodies, terminará em janeiro de 2027.

Principais compostos

Dos milhares de compostos produzidos pela planta cannabis, os de maior interesse médico são o grupo dos canabinoides, composto por mais de uma centena destes compostos. Entre eles, o CBD e o tetrahidrocanabinol, ou THC, são considerados os mais importantes clinicamente. Tanto o CBD como o THC desencadeiam a libertação de mensageiros químicos no cérebro que podem influenciar a sensação de dor, o humor, o sono e a memória. No entanto, o THC induz um estado de intoxicação que não é causado pelo CBD, o que dá origem ao uso indevido do primeiro.

Pouco se sabe sobre como exatamente os canabinoides influenciam o cérebro e o corpo humano, uma vez que a maioria dos estudos foi realizada com animais.

“Este fato limita substancialmente a nossa capacidade de conceber tratamentos eficazes à base de canabinoides”, diz Allen.

O projeto Cannabodies aborda a influência do THC e do CBD no que é conhecido como interocepção, ou seja, a percepção que as pessoas têm do estado interno dos seus corpos e como isso afeta as decisões. Concentrar a mente na fome, nos batimentos cardíacos ou na dor são exemplos de interocepção. Poderíamos perguntar-nos, por exemplo, se uma pessoa que sente menos dor física depois de consumir CBD tem maior probabilidade de exercer mais esforço ao realizar uma tarefa, ou se alguém que está mais concentrado nos batimentos cardíacos pode sentir-se mais ansioso depois de consumir THC.

Alteração da percepção

Segundo Allen, as descrições que fazem das suas experiências pessoas que consomem canabinoides parecem indicar mudanças importantes a nível sensorial, mas nenhum estudo científico abordou esta questão.

“Muitos transtornos psiquiátricos têm a ver com a alteração da interocepção saudável. Portanto, se for demonstrado que os canabinoides têm efeitos terapêuticos nesta área, seria uma informação muito valiosa”, explica o pesquisador, que pretende lançar as bases científicas para esta questão. “Queremos descobrir o que acontece no cérebro quando uma pessoa consome um produto de cannabis. Que vias neurais são estimuladas quando o CBD, o THC ou um placebo são ingeridos?”

Para esta pesquisa, os participantes devem realizar tarefas durante uma ressonância magnética. Essencialmente, eles são instruídos a apertar um dispositivo com a mão ou expelir ar em um tubo em resposta a testes simples, que normalmente usam imagens que aparecem em uma tela, como se fosse um videogame. Recebem pontos por cada escolha correta e uma recompensa financeira de cerca de 100 coroas dinamarquesas (o equivalente a cerca de 13 euros) pela conclusão de uma tarefa.

A velocidade e a precisão das respostas, a disposição dos participantes em se esforçarem mais e a percepção de desconforto são alguns dos fatores que Allen estudará. O neurocientista pretende ampliar o conhecimento sobre os efeitos dos canabinóides na interocepção para avançar no objetivo de desenvolver novos tratamentos baseados em CBD ou THC que sejam seguros, eficazes e personalizados.

 

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