A Petrobras colocou em seu estatuto artigos que obrigam o governo a ressarcir a empresa em caso de prejuízos com a concessão de subsídios aos preços dos combustíveis ou com investimentos de interesse público. A medida tenta blindar a política de preços da companhia, que prevê a venda dos produtos com preços acima do mercado internacional, e evitar o seu uso político para realizar investimentos.
Entre 2011 e 2014, a defasagem dos preços da gasolina e projetos deficitários determinados pelo governo geraram uma perda de quase R$ 90 bilhões à área de refino da companhia, que é responsável pela venda de combustíveis e pelos investimentos frustrados em novas refinarias.
A mudança no estatuto foi aprovada pelos acionistas da estatal em dezembro e pode ser um obstáculo às pretensões do governo de Michel Temer de subsidiar o gás de cozinha após a escalada de preços iniciada em junho de 2017.
Caso queira forçar a Petrobras a praticar preços mais baratos, a União terá que ressarcir anualmente a empresa pelos prejuízos causados. As novas cláusulas adequam a Petrobras à chamada Lei das Estatais. Ela determina que as empresas esclareçam, em comunicação oficial, situações em que estiverem agindo em nome do interesse público, delimitando seus impactos econômicos.
O texto aprovado pela Petrobras determina que eventuais investimentos ou políticas de interesse de seu controlador que não respeitem condições semelhantes às da iniciativa privada devem ser tornado públicos por meio de lei, convênio ou contrato.
Caso sejam prejudiciais à companhia do ponto de vista financeiro, o controlador deve ressarcir a diferença anualmente, com a contabilização dos valores no orçamento da União. Ou seja: se a empresa for obrigada a vender gasolina mais barata do que no mercado internacional, a União teria que cobrir a diferença de receita uma vez por ano.
O mesmo vale para investimentos em logística ou refino de interesse do governo. Políticas e projetos de interesse público devem ser analisadas, assim como seus custos e receitas, por um comitê formado por representantes dos acionistas minoritários no conselho da companhia.
A empresa avalia que ter as regras no estatuto torna mais difícil que sejam derrubadas por governos futuros, já que mudanças desse tipo dependem de aprovação em assembleia de acionistas.
A defasagem nos preços dos combustíveis durante governos petistas é apontada por analistas como uma das razões da crise financeira da estatal, ao lado dos projetos superfaturados investigados pela Operação Lava-Jato.
No primeiro governo Dilma Rousseff, a área de refino da empresa apresentou seguidos prejuízos. A falta de repasse foi alvo de denúncia do Ministério Público Federal, que acusa o conselho de administração da empresa de segurar os preços para ajudar a reeleição de Dilma em 2014.
Logo após a eleição, já com o petróleo em queda, o conselho formado em sua maioria por representantes do governo autorizou aumentos. A partir de 2015, os preços começaram a se alinhar com as cotações internacionais, revertendo as perdas.
Autor de estudo sobre os prejuízos daquele período, o professor Edmar Almeida, do Instituto de Economia da UFRJ, diz que a mudança no estatuto também protege os administradores da estatal de processos por decisões que causem prejuízos à empresa. “É importante para que os gestores não fiquem tomando decisões de governo sem mandato para isso. Políticas públicas devem ser definidas em lei”, diz ele, que calculou em R$ 21 bilhões os prejuízos diretos com a venda de combustíveis importados a preços mais baixos entre os anos de 2011 e 2013.
Novo estatuto
1. A Petrobras, como empresa estatal, pode ter suas atividades orientadas pela União de modo a contribuir para o interesse público que motivou sua criação, que é o abastecimento nacional de combustíveis.
2. Nesse caso, a Petrobras pode assumir obrigações de fornecer combustíveis ou realizar investimentos em refino e logística em condições diferentes daquelas que acontecem no setor privado.
3. Caso o resultado para a companhia petrolífera seja negativo, porém, a União deve compensar, a cada ano, as perdas causadas pela obrigação de interesse público assumida pela estatal.
4. A União somente poderá orientar a Petrobras a assumir obrigações em condições diversas às do setor privado por meio de contrato ou convênio com custos e receitas discriminados e divulgados.
5. Investimentos e políticas orientados pela União devem ser analisados pelos comitês financeiro e de minoritários, que avaliarão sua rentabilidade e a necessidade de ressarcimento.