Os números são atuais: no Brasil ainda existem 10 milhões de analfabetos. Deveríamos estar inconformados com a situação vergonhosa. Deveríamos estar unidos para vencer essa chaga, que não apenas nos envergonha, porque está na origem e causa do nosso atraso e das nossas mazelas.
Mas preferimos ficar batendo boca nas redes sociais sobre os defeitos, as contradições, as manias deploráveis, dos nossos adversários (inimigos?) no campo político. Para tanto, precisamos fechar os olhos e fingir que nós estamos imunes ao erro, à incoerência, aos comportamentos errados.
Dos nossos males, os culpados são sempre os outros, da esquerda ou da direita, bolsonaristas ou lulopetistas: o mundo dos culpados é infinito. Mas sempre os malditos outros. Estamos cegos de soberba e obsedados pelas nossas certezas.
O analfabetismo não diz respeito apenas a ler, escrever e fazer contas. A doença abrange por igual a capacidade de interpretar um texto e de se fazer compreender. De receber o troco certo da compra a dinheiro. É nesse sentido que se fala de analfabetos funcionais, a multidão de brasileiros aos quais só podem ser confiadas tarefas triviais.
Só existe uma forma de debelar o mal: um programa de unidade nacional, envolvendo todos e cada um dos atores dos governos e da sociedade, por um prazo longo (10 anos? 20?) , razoavelmente consensual, o compromisso de todos de enfrentá-lo todos os dias, com metas realistas, com recursos suficientes, profissionais dedicados.
Método, foco e perseverança, eis o programa. Mas isso não é o nosso forte. Somos mais da teoria do que da ação. Esse vício insanável é uma das marcas da esquerda. Ali todos teorizam mas pouca gente pega no pesado, Ali se incensam os teóricos do “campo progressista”, e a cada parágrafo se repetem os mantras categóricos – “educação para a cidadania, para a consciência crítica”, “educação pública, gratuita e de qualidade”. Os mantras estão na ponta da língua mas distantes da realidade e da vida concreta.
A esquerda prioriza os meios e não valoriza os resultados. Dizem : boa escola, boa educação, combate ao analfabetismo se faz com a eleição direta do diretor, com o direito de greve do professorado, com reuniões e consultas intermináveis, com decisões tomadas em amplas assembleias, e, claro, com a assinatura de Paulo Freire.
Não nego que ele seja um estudioso emérito, uma referência necessária. Mas nenhum método faz milagres. Se assim fosse, se a educação crítica, “para formar o cidadão pleno”, fosse suficiente, então, depois de todos estes anos de domínio quase exclusivo do método Freire nas escolas públicas, não teria eclodido o fenômeno do bolsonarismo, a vitória da direita em 2018. Não teríamos ainda quase metade do eleitorado brasileiro seduzido por um conjunto de valores retrógrados, antiprogressistas, e por um sociopata que expressa tudo o que a direita tem de pior.
Ao PT agora, com Lula, está sendo dada uma segunda chance de pôr em prática o seu discurso – dar um salto real de qualidade, através de um programa exequível, sustentável ao longo dos anos seguintes, até chegar ao último analfabeto.