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Poder Judiciário brasileiro promete usar linguagem que o povo entenda

(Foto: STF/Divulgação)

Anunciado em 4 de dezembro de 2023, o Pacto Nacional pela Linguagem Simples no Judiciário já conta com a adesão de mais de 70 tribunais e órgãos da Justiça brasileira. A iniciativa é uma das principais bandeiras da gestão do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, à frente do CNJ.

Em artigo publicado pelo Anuário da Justiça Brasil 2024 e reproduzido pela revista eletrônica Consultor Jurídico, Barroso defendeu que as boas práticas de linguagem permitem que a sociedade compreenda melhor a fundamentação das decisões do Judiciário.

“Quase tudo o que decidimos pode ser explicado em uma linguagem simples, que as pessoas consigam entender. Ainda que para discordar, mas para discordar daquilo que entenderam”, afirmou Barroso no lançamento do pacto.

A ampla aceitação do projeto demonstra que ele atende a uma necessidade que é cada vez mais presente no Judiciário, sobretudo em tempos de polarização política, fake news, verdades borradas e democracias estremecidas. A iniciativa capitaneada pelo presidente do Supremo tem por objetivo varrer para debaixo do tapete a linguagem técnica própria do Direito, popularmente conhecida como “juridiquês”. A advogada e professora de linguagem simples jurídica Ivy Farias enxerga de maneira positiva o movimento, mas acredita que existe muito ainda a melhorar no pacto.

“É preciso criar diretrizes menos abertas e mais padronizadas para adoção da linguagem simples. O Brasil é um país imenso e heterogêneo. Do jeito que está, os tribunais vão adotar o que bem entenderem e chamar de linguagem simples.”

Alcance do pacto

A maioria das cortes brasileiras já adotou o protocolo do CNJ. Dos 27 Tribunais de Justiça, apenas os de Alagoas, Santa Catarina e Sergipe ainda não aderiram. Entre os Tribunais Regionais Eleitorais, só os de Amapá, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Rondônia e São Paulo ainda estão fora. Na Justiça Federal, os Tribunais Regionais da 1ª e da 2ª Regiões já usam a linguagem simples.

Na Justiça do Trabalho, apenas quatro cortes regionais (Grande São Paulo e litoral paulista; Distrito Federal e Tocantins; Maranhão; e Rio Grande do Norte) ainda não são signatárias da iniciativa. Na Justiça Militar, todos os tribunais a adotaram.

Nos tribunais superiores e nos conselhos, o Tribunal Superior do Trabalho e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho não usam a linguagem simples. O Superior Tribunal de Justiça também não aderiu formalmente ao pacto ainda, mas ministros como Daniela Teixeira já exibem em suas decisões a adesão à iniciativa.

Além de uma linguagem menos empolada, o Pacto Nacional pela Linguagem Simples também estabelece a reformulação de protocolos de eventos promovidos pelos tribunais e o uso da linguagem acessível às pessoas com deficiência.

Simples x simplório

Apesar da adesão significativa à linguagem simples no Judiciário, há quem veja a novidade com ressalvas. O constitucionalista Lenio Streck, por exemplo, vê com reservas o que ele classifica como “simplificação da linguagem do Direito”.

“O problema do Direito não está em chamar o STF de sodalício e coisas ridículas desse gênero (ou a CLT de Códex Obreiro). Isso é certamente desnecessário, mas parar o diagnóstico nesse epifenômeno é fazer pouco do problema. Se o Direito fosse sofisticadamente aplicado e compreendido, não faria qualquer diferença usar chatices que chamamos de ‘juridiquês’. O problema é outro”, afirma Streck.

Ele acredita que mais importante do que discutir linguagem simplificada é melhorar o nível das faculdades de Direito no Brasil.

“As pessoas têm noção de que os alunos da graduação não leem mais livro algum e se abastecem na internet, paraíso do efêmero? E isso, cá para nós, não é culpa de linguagem empolada. Há formados em Direito que não sabem escrever coerentemente. Bater no ‘juridiquês’ é ‘chutar cachorro morto’. O problema está na insuficiente reflexão dos alunos e profissionais, fruto de uma profunda crise do ensino jurídico e da dogmática jurídica, mergulhada no senso comum. Até acredito que haveria espaço para a urbanização (simplificação) do Direito, isto é, para a tradução do complexo em termos mais acessíveis. É possível. O ponto é que o ensino, na base, já é frágil. Contentamo-nos com reciclagem? A simplificação é o maior inimigo da ciência. E é a degeneração do Direito.”

Segundo o constitucionalista, o movimento pela linguagem simples está intimamente ligado à influência das redes sociais. “As redes sociais apostam nesse tipo de senso comum. As redes sociais são a amostra da degeneração. Na própria política, em que o fascismo cresceu. Por que será? A linguagem mais simples quer dizer ‘encurtamento do mundo’.”

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