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Poderes em choque: Congresso e Supremo elevam tensão

De um lado, a Suprema Corte orienta as temáticas em torno dos direitos fundamentais, enquanto, por outro lado, o Congresso defende que tais debates devem ser tratados no âmbito legislativo. (Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF)

O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso recentemente se envolveram em confrontos acerca das atribuições para temas sensíveis no que tange grupos minoritários. No ano passado, o País acompanhou o debate sobre o marco temporal, descriminalização do porte de maconha para uso pessoal e a proposta de descriminalização do aborto até as 12 semanas de gestação.

De um lado, a Suprema Corte orienta as temáticas em torno dos direitos fundamentais, enquanto, por outro lado, o Congresso defende que tais debates devem ser tratados no âmbito legislativo.

O cenário cria um embate sobre as competências inerentes acerca das discussões promovidas pelo Supremo, provocando reflexões acerca da atividade entre o Judiciário e o Legislativo no contexto dessas temáticas. Segundo Thomas Bustamante, professor de filosofia e teoria do direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), embora esteja atribuído ao Congresso o poder de legislar em torno dessas temáticas, essas são questões que, de alguma maneira, envolvem premissas constitucionais, conferindo ao STF a competência para intervir.

Há também, segundo o jurista, uma avaliação de que as decisões da Corte preenchem uma lacuna, isto em razão da falta de atuação do Legislativo em torno de temas importantes para a sociedade. Ele esclarece que, se o Congresso vier a legislar sobre tais temas, como é o caso do marco temporal, cabe ao Supremo se posicionar sobre essas questões de acordo com as deliberações do poder Legislativo, isso em razão do princípio da presunção da legalidade.

“Tem uma tensão muito grande entre o STF e o Congresso. É natural que haja, tendo em vista, principalmente, o embate que houve no governo anterior. Houve quase uma incitação pública contra o Supremo Tribunal Federal por parte do governo. Isso criou uma grande resistência no Congresso”, contextualiza.

De acordo com o professor, temas como o marco temporal, a descriminalização do aborto e do porte de maconha para consumo pessoal são questionados pelos congressistas sem justificativas sólidas. No entanto, ele aponta que outras interferências do Supremo dão “munição” aos críticos do tribunal para questionarem as competências do Judiciário.

Um exemplo citado é o do Inquérito das Fake News, instaurado pela Suprema Corte em março de 2019 para apurar a existência de divulgação de notícias falsas, declarações e ameaças contra os ministros, mas que, ao longo dos anos, tomou uma proporção maior.

“O inquérito das Fake News, a princípio, era algo temporário e emergencial e se transformou em uma competência eterna de tomar iniciativa sobre questões investigativas, que deveriam estar na competência da Polícia Federal e do Ministério Público, mas que, pela inércia e pelo mau funcionamento dessas instituições, acabou o Supremo interferindo. Mas ainda assim, depois que acabou a crise, depois que acabou o governo Bolsonaro, ele continuou. Isso gera um argumento procedente para os críticos ao Supremo Tribunal Federal”, observa.

Bustamante também menciona algumas ações do Supremo, como a suspensão de posse de ministros, e recorda o caso do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2016, quando foi impedido de assumir o cargo de ministro da Casa Civil da então presidente Dilma Rousseff (PT).

“Alguns anos atrás, a quantidade de liminar que tinha suspendendo a posse de ministros. A liminar do Gilmar Mendes suspendendo a posse de Lula como ministro. Isso tem um absurdo abalo no sistema político, isso altera o resultado de várias coisas”, opina.

Dentro dos poderes existem as funções atípicas. Em resumo, cabe ao Executivo a função de governar e administrar, mas há ocasiões em que esse poder assume a função de legislar, como ocorre, por exemplo, ao editar um decreto. Da mesma forma, o Congresso pode assumir a posição de julgar alguém como no caso de um processo de impeachment ou uma denúncia na Comissão de Ética por quebra de decoro parlamentar.

No âmbito judiciário, funções consideradas atípicas incluem as de natureza legislativa, como a elaboração de normas regimentais. Além dos atos administrativos, nos quais o judiciário gerencia os direitos de seus magistrados. O jurista enfatiza que, embora essas competências existam, é crucial exercê-las com responsabilidade.

 

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