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Polarização, fake news, pedido de anulação: como foi a eleição no Conselho Federal de Medicina

Passadas as eleições, médicos devem focar naquilo que lhes compete: a medicina. (Foto: CFM/Divulgação)

A eleição dos 54 titulares e suplentes do Conselho Federal de Medicina (CFM) foi concluída na quarta-feira (7) com um resultado que consolida a entrada da polarização política em uma autarquia que regula uma atividade profissional.

Depois de uma campanha em que parlamentares bolsonaristas se empenharam para emplacar candidatos no conselho, entre os escolhidos, estão nomes como Raphael Câmara, reeleito conselheiro no Rio de Janeiro com o mote de “não deixar a esquerda tomar o CFM”, e Rosylane Rocha, reeleita pelo Distrito Federal, que chegou a comemorar nas redes os atos extremistas no 8 de janeiro. A disputa teve acusações de fake news e de disparos de mensagens fora do prazo legal.

A mobilização conservadora gerou uma contrapartida que não alcançou os mesmos resultados. De um grupo de oito candidatos que se apresentaram como progressistas, apenas um foi eleito: Eduardo Jorge, de Pernambuco.

Antes da divulgação do resultado da disputa, o presidente do CFM, José Hiran da Silva Gallo, fez um pronunciamento defendendo a união dos médicos “sem alinhamento de qualquer natureza ideológica”. O discurso foi transmitido ao vivo pelo site da entidade.

“Os médicos encontrarão no CFM uma autarquia pronta atuar em prol dos interesses da coletividade de forma isenta e sem alinhamento de qualquer natureza ideológica. Afinal, esta é a casa do médico brasileiro”, reforçou Gallo.

Segunda vice-presidente da autarquia, Rosylane Rocha foi eleita com 50,4% dos votos válidos no Distrito Federal, pela chapa Reunir e Trabalhar. No ano passado, a médica comemorou nas redes sociais a invasão das sedes dos Três Poderes e os atos antidemocráticos de 8 de janeiro em Brasília. O próprio CFM abriu um procedimento para apurar a conduta de Rosylane por causa disso. A médica também apareceu na campanha de outro candidato eleito, Jeancarlo Cavalcante, do Rio Grande do Norte, em uma corrente em que bolsonaristas pediam votos em candidatos de direita.

No Rio de Janeiro, foi reeleito Raphael Câmara, o nome por trás da resolução do CFM que proibiu a assistolia fetal a partir da 22ª semana de gravidez para o aborto legal em caso de mulheres vítimas de estupro. Em maio, o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes suspendeu a resolução com o argumento de que ela foi além das competências da autarquia.

O candidato vitorioso em São Paulo foi Francisco Cardoso Alves, da chapa Força Médica, com 37,98% dos votos válidos. Apoiado por Nikolas Ferreira (PL-MG), Cardoso já apareceu em lives bolsonaristas por defender tratamentos sem comprovação científica durante a pandemia.

Outros parlamentares bolsonaristas no estado, como a deputada federal Carla Zambelli e a deputada Fabiana Barroso, ambas do PL, preferiram apoiar o médico Armando Lobato. Assim como a candidata Melissa Palmieri, apoiada pela infectologista Luana Araújo, crítica da conduta do governo Bolsonaro na pandemia, Lobato foi derrotado. Palmieri foi a segunda colocada, com 34% dos votos válidos.

Médicos paulistas que apoiavam as chapas derrotadas denunciaram o envio de mensagens de celular com pedidos de votos para Cardoso, descrito como “único candidato anti-Lula”, nas 24 horas que antecederam as eleições, o que é proibido por lei.

Credibilidade em risco

Professora titular de Emergências da Faculdade de Medicina da USP, Luhdmila Hajjar teme que a interferência política possa resultar em decisões no conselho influenciadas por interesses alheios à saúde pública e à prática médica. Além disso, um CFM politizado pode ter sua credibilidade questionada, tanto pelos profissionais de saúde quanto pela sociedade, comprometendo sua capacidade de regular e orientar a prática médica de maneira eficaz, na avaliação da cardiologista e intensivista.

Hajjar, que recusou o convite para ser ministra da Saúde durante o governo Bolsonaro, lembra que o CFM possui um papel regulatório e ético, devendo agir como guardião dos princípios que regem a medicina.

“Desde 1951, o CFM revisa práticas médicas, assegura o melhor tratamento baseado em evidências científicas e fiscaliza o exercício da profissão”, reforçou, lembrando de uma decisão que fez a autarquia ser questionada durante a pior fase no combate à covid no Brasil. “Impor que os médicos tenham autonomia no atendimento é uma maneira disfarçada de dar direito ao médico de decisões não baseadas na ciência. Isso se intensificou na pandemia, quando os médicos foram autorizados a receitar cloroquina para tratamento da covid, mesmo sem respaldo científico.”

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