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Polêmica sobre câncer de próstata divide médicos do País

A nova técnica requer só uma pequena amostra de sangue. (Foto: Reprodução)

Uma polêmica sobre câncer de próstata tem dividido sociedades médicas no País. De um lado, a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade passou a contraindicar o rastreamento de rotina, por toque retal e dosagem de PSA (antígeno prostático específico) no sangue. Do outro, a Sociedade Brasileira de Urologia, que defende o diagnóstico precoce e recomenda que todo homem com mais de 50 anos – ou 45, no caso de negros e pacientes com histórico familiar – façam anualmente os exames.

Os dois lados apresentam estudos comprovando suas teses. Os médicos da família citam um estudo americano que conclui que o rastreamento precoce não diminui a mortalidade dos homens. Os urologistas respondem citando dois estudos europeus que concluíram o contrário, apontando até 40% de redução na chance de morrer de câncer de próstata entre quem faz os exames preventivos. “O estudo americano tem falhas metodológicas grosseiras”, diz o urologista Miguel Srougi.

O médico aponta problemas na construção do grupo controle. Ou seja, o estudo não conseguiu reunir um conjunto robusto e estável de homens que ficassem sem fazer exames e que não tivessem feito o PSA recentemente. Além disso, os pacientes foram avaliados por apenas sete anos, na média. No estudo europeu, esse valor foi de 11 anos. Seu colega Rodrigo Olmos discorda. Para ele, não se trata apenas do estudo americano. Evidências contra o rastreamento de rotina estão se acumulando na última década, afirma, e a grande maioria dos tumores encontrados pelo rastreamento não se comporta agressivamente. “São cânceres que nunca teriam causado problemas ao paciente caso não tivessem sido detectados pelo rastreamento. Tratar esse tipo de câncer é o chamado ”sobrediagnóstico“. Isso significa levar homens saudáveis a complicações como incontinência urinária e impotência sexual.”

Para Srougi, dizer que o cirurgião vai operar pacientes saudáveis é “generalizar o comportamento de uma minoria de médicos sem escrúpulos”, que querem tirar qualquer tumor porque ganham mais assim. “Mas é perfeitamente possível e muito comum que pacientes com tumores brandos sejam só acompanhados. De cada 20 doentes no meu consultório, seis ficam apenas em vigilância, voltando de quatro em quatro meses.”

Gustavo Gusso, diretor-científico da sociedade de medicina da família, afirma que os urologistas são formados para tratar a próstata doente, mas não têm treinamento em epidemiologia. “Isso faz com que acabem distorcendo os resultados dos estudos usando números que impressionam, mas são truques estatísticos.” Ele ressalta a importância de “ter uma vida saudável, prestar atenção ao corpo e conversar com seu generalista para avaliar os seus riscos”. Para colocar mais lenha na fogueira, em 2010, o próprio descobridor do PSA, Richard Ablin, escreveu um artigo para o jornal The New York Times: “Eu nunca imaginei que minha descoberta quatro décadas atrás iria resultar em um desastre dessas proporções, que visa o lucro”.

A postura do Inca.

O próprio Inca (Instituto Nacional de Câncer) adotou postura semelhante à dos médicos de família, “por existirem evidências científicas de que o rastreamento do câncer de próstata produz mais dano do que benefício”. Os urologistas rebatem dizendo que os médicos de família ignoram as particularidades do tumor na próstata. Uma delas é que os sintomas da doença demoram a aparecer, de modo que esperá-los significa ter de lidar com o tumor já em estágio avançado, quando talvez seja tarde demais, afirma o urologista Carlos Sacomani. A outra é que o câncer de próstata é especialmente sofrido – o paciente morre devagar, perdendo qualidade de vida ao longo dos anos.

“Eles não sabem o tamanho do sofrimento do paciente que tem um câncer avançado, sem cura”, diz Srougi. “Correm o risco de ser processados. Imagine você descobrir aos 60 anos que tem um câncer já incurável porque botaram na sua cabeça que não precisava fazer exame.” (Folhapress)

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