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Polícia Federal suspeita que desembargador recebeu R$ 100 mil para liberar militar

Os investigadores apuram a influência de lobistas sobre uma decisão do desembargador João Ferreira Filho. (Foto: Divulgação)

Entre os processos em que teria operado esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, a Polícia Federal suspeita que os lobistas Andreson Gonçalves e Roberto Zampieri negociaram ao preço de R$ 100 mil a soltura de um sargento da Polícia Militar – preso em 2021 por associação criminosa e porte de arma de fogo de uso permitido. Os investigadores apuram a influência de Zampieri e Andreson sobre uma decisão do desembargador João Ferreira Filho que libertou o sargento sob o argumento de que o “simples fato de o investigado ser policial militar não é fundamento suficiente para mantê-lo preso”.

Os detalhes do caso investigado pela Polícia Federal constam da decisão em que o ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, deu aval para a abertura da Operação Sisamnes – investigação que, no último dia 26, prendeu Andreson, apontado como chefe de um ‘verdadeiro e ousado comércio’ de sentenças no Superior Tribunal de Justiça.

Nem Zampieri, que foi assassinado a tiros em dezembro passado na frente de seu escritório em Cuiabá, escapou da ofensiva – seu antigo escritório foi vasculhado pela PF.

O sargento beneficiado com a ordem de soltura assinada pelo desembargador Ferreira Filho também foi alvo da Operação Sisamnes. O ministro Zanin mandou expedir uma ordem de busca e apreensão em endereços de Victor Ramos de Castro.

A defesa do militar afirmou que o pedido de liberdade do sargento foi feito em audiência de custódia e “pautada na legalidade do direito de liberdade do mesmo”. “Se trata de pessoa idônea e jamais fora ventilada qualquer hipótese de propina a quem quer que seja”, registrou a advogada Lúcia de Souza, que representa Castro.

O nome do militar é citado quatro vezes no despacho da Operação Sisamnes, no tópico em que foi averiguado o despacho sobre sua soltura em 2021.

As suspeitas nasceram de um diálogo de Andreson e Zampieri em 26 junho de 2021. Nessa conversa, o lobista encaminhou ao advogado um documento ligado a um auto de prisão em flagrante, sob responsabilidade do Plantão Judicial da Comarca de Sorriso, em Mato Grosso.

Andreson disse que seria um “assunto para Zampiri ver” e que o “juiz ainda não se manifestou”.

A conversa transcorreu assim:

– Roberto Zampieri: Mas se não soltar, entre com o HC, e eu corro nele. Fico no seu aguardo. Já falei com ele.

– Andreson: Ok.

– Roberto Zampieri: Me avise se não der lá em Sorriso. Aqui eu consigo.

– Andreson: Se não soltar aí já vai deixar pronto o HC. E vamos para cima.

– Roberto Zampieri: Que bom. Eu acho que solta hoje o seu amigo e o piloto.

– Andreson: Ok.

Naquele dia, o sargento da Polícia Militar Victor Ramos de Castro havia sido detido em flagrante por suposta associação criminosa armada e porte de arma de fogo de uso permitido. Ele estava custodiado no Batalhão da Polícia Militar de Primavera do Leste e teve sua prisão convertida em preventiva – quando não há data para terminar.

Dois dias depois, Andreson e Zampieri falaram sobre o fato de o desembargador estar designado para o plantão judicial no Tribunal de Justiça de Mato Grosso entre os dias 25 de junho e 2 de julho. Zampieri revelou estar bem informado dos movimentos do magistrado, indicando ao parceiro que já teria conversado com Ferreira Filho. “Ele vai despachar ainda hoje, só não disse o horário.”

Cruzando as informações das mensagens com o andamento do processo sobre o qual Andreson tinha interesse, a PF descobriu que João Ferreira Filho mandou soltar o PM “na precisa data comentada por Zampieri”.

Ferreira, de fato, mandou soltar Victor, investigado, à época, por supostamente participar de associação criminosa armada e com fim de coagir pessoas. O desembargador argumentou que a cópia do auto de prisão em flagrante do PM não tinha as informações básicas necessárias para que se verificasse os requisitos para a prisão preventiva, em especial informações que justificassem a detenção “como medida destinada à garantia da ordem pública e para garantia de aplicação da lei penal”.

O desembargador anotou que não era um caso de reiteração criminosa, que o PM tinha domicílio fixo, que não havia indício de fuga e, ainda, que não havia comprovação sobre tentativa de destruição de prova.”

Análise dos autos demonstra, tão somente, que a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente, e que indeferiu o pedido de revogação da segregação flagrancial, encontra-se fragilmente fundamentada; afinal, o simples fato de o investigado ser policial militar não é fundamento suficiente para mantê-lo preso”, alegou o magistrado, à época.

Nos dias subsequentes à soltura do sargento da PM, o advogado passou à cobrança de “honorários” – o que, na visão do ministro Cristiano Zanin “evidencia verdadeiramente, que havia um acordo para soltura do beneficiado do habeas corpus mediante contrapartida financeira”.

No dia 12 de julho, após Zampieri enviar dados bancários, Andreson transferiu para sua conta R$ 100 mil por meio da empresa Florais Transportes Eireli – a Polícia Federal suspeita que a empresa seria usada pelo suposto lobista de sentenças para o pagamento de propinas a magistrados e servidores.

A defesa do sargento Victor Ramos afirmou que o pedido de liberdade do sargento foi feito em audiência de custódia e pautada na legalidade do direito de liberdade do mesmo. O processo foi conduzido com lisura e seriedade. Ademais, o sargento Victor Ramos se trata de pessoa idônea e jamais fora ventilada qualquer hipótese se propina a quem quer que seja. (Estadão Conteúdo)

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