Domingo, 12 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 5 de setembro de 2022
Os chilenos rejeitaram por ampla margem, em plebiscito no domingo (4), a proposta de nova Constituição, escrita para substituir a vigente no país, herdada da ditadura de Augusto Pinochet. A rejeição teve mais de 61% dos votos contra 38% da aprovação.
O resultado representa uma significativa derrota para os movimentos sociais de esquerda do país. Em 2020, cerca de 80% dos chilenos votaram em outro plebiscito para que houvesse uma mudança constitucional, e a Convenção Constitucional que redigiu o projeto da Carta, eleita no ano passado, tinha uma maioria de esquerda e independentes, dos quais muitos vieram dos grandes protestos sociais de 2019.
Os protestos também desembocaram na eleição do então deputado e ex-líder estudantil Gabriel Boric para a Presidência, no final de 2021, derrotando o candidato da extrema direita, José Antonio Kast. Por isso, a rejeição do projeto é uma derrota para o governo de Boric, que no entanto foi impedido pela Justiça de fazer campanha pela opção “aprovo”.
Ao contrário das outras votações dos últimos 13 anos, incluindo a que convocou a Convenção Constituinte, desta vez o voto foi obrigatório. Quinze milhões de chilenos estavam aptos a votar, e mais de 13 milhões compareceram às urnas.
Diálogo
Enquanto a apuração ainda estava no início, Boric enviou uma carta a todos os partidos convocando para uma reunião no Palácio de La Moneda na tarde desta segunda-feira (5), como o objetivo de promover “um espaço para o diálogo transversal sobre os desafios que devemos enfrentar como país por dar continuidade ao processo constituinte”.
Após o resultado, o presidente fez um pronunciamento chamando as forças chilenas ao diálogo e a um novo processo constituinte. Boric disse que o “maximalismo, violência e intolerância devem ser definitivamente postos de lado”, e que “o desconforto ainda é latente e não podemos ignorá-lo”.
“Prometo fazer tudo da minha parte para construir, junto com o Congresso e a sociedade civil, um novo itinerário constituinte que nos dê um texto que, reunindo as lições aprendidas, consiga interpretar a vontade da grande maioria dos cidadãos”, afirmou. “Não esqueçamos por que viemos aqui. A decisão dos chilenos exige que trabalhemos com mais esforço, diálogo, respeito e carinho, até chegarmos a uma proposta que responda a todos, que nos dê confiança e nos una como país.”
A Assembleia Constituinte chilena, a primeira com paridade de gênero do mundo, tinha maioria absoluta de esquerda, e dentro dela a maior bancada era de independentes sem partido, sem que a direita alcançasse um terço dos assentos para ter direito a veto.
Os deputados constituintes escreveram o projeto de marco constitucional ao longo de um ano e introduziram diversas inovações, como a validade de um sistema judicial indígena, uma forte proteção ao meio ambiente, além de abrir caminho para o direito ao aborto e da garantia de educação, saúde e Previdência públicos.
Apesar de boa parte das novidades responder ao movimento de protesto deflagrado em 2019 que deu origem ao processo constitucional, a postura combativa de muitos dos constituintes gerou uma forte rejeição de setores expressivos da sociedade. Muitos chilenos perceberam uma ambição de refundar o país, com uma alteração excessiva de normas, do Judiciário ao poder do Executivo. A rejeição confirma todas as pesquisas de opinião ao longo de meses.
Com a derrota, legalmente, a Constituição escrita em 1980 durante a ditadura de Pinochet e reformada várias vezes na democracia, permanece vigente.
No entanto, quase todas as forças políticas chilenas — com a exceção de José Antonio Kast, ex-candidato da extrema direita nas eleições do ano passado — concordam que será preciso reiniciar um processo de redação de uma nova Carta para substituir a de Pinochet.
O presidente Gabriel Boric já disse que o governo promoverá uma votação para os chilenos escolherem os membros de uma segunda Convenção Constituinte, para os deputados escreverem outra proposta de Carta. O presidente disse que esse novo processo se estenderia por um ano e meio.
O Congresso precisa aprovar essa proposta de Boric, e há divergências a esse respeito. A direita — que tem a maioria na Câmara, e domina metade do Senado — não deseja um novo processo com constituintes eleitos, mas sim que parlamentares e notáveis conduzam o processo.