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Por que a esquerda não consegue encher as ruas como no passado? Especialistas debatem dificuldades de mobilizar diante da ascensão da extrema direita, reconhecida até pelo favorito a comandar o PT

Veja as razões apontadas por especialistas. (Foto: Reprodução)

Até a década de 1990, a cena era rotineira: protestos convocados por diferentes setores da esquerda enchiam as ruas brasileiras, atraindo dezenas de milhares de manifestantes. Nos últimos anos, porém, atos públicos deste segmento político vêm sofrendo para ganhar adesão massiva, em um problema reconhecido até pelo favorito a assumir a presidência do PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: “a gente sua sangue” para conseguir “10 mil pessoas”, admitiu Edinho Silva, prefeito de Araraquara (SP).

Especialistas citam três marcos temporais determinantes para o fenômeno: a chegada ao poder, com a primeira vitória de Lula, em 2002; os protestos de junho de 2013; e a ascensão da extrema direita internacionalmente no passado recente.

A fala de Edinho aconteceu dias depois de um ato na Avenida Paulista contra a anistia a presos do 8 de Janeiro, encampada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mobilizar menos de 7 mil manifestantes, segundo cálculos do grupo Monitor do Debate Político, da Universidade de São Paulo (USP), e da ONG More in Common.

Foi a maior concentração entre oito cidades onde também houve convocação para os atos, realizados dias depois do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que aceitou a denúncia contra Bolsonaro pela trama antidemocrática e na véspera do aniversário de 61 anos do golpe militar de 1964. Nomes de peso tentaram, em vão, alavancar a presença com chamamento nas redes: Guilherme Boulos (PSOL-SP), Érika Hilton (PSOL-SP) e Lindbergh Farias (PT-RJ), líder da bancada petista na Câmara, foram alguns dos que postaram sobre o tema.

Duas semanas antes, quase três vezes mais bolsonaristas se reuniram na Praia de Copacabana, no Rio, em defesa do perdão aos responsáveis pelos ataques às sedes dos três Poderes. Uma análise de seis atos cujo público foi mensurado pela mesma metodologia desde as eleições de 2022, três de cada lado do espectro político, mostra vantagem da direita em todas as ocasiões.

A dificuldade de engajamento preocupa o PT desde o ato de 1º de Maio do ano passado, quando Lula discursou para uma audiência reduzida no estádio do Corinthians, em Itaquera, na Zona Leste de São Paulo. A agenda reuniu 1.635 militantes e foi classificada como “mal convocada” pelo próprio presidente ao discursar, em cobrança direcionada ao chefe da Secretária-Geral da Presidência, Márcio Macedo, responsável pela articulação com os movimentos sociais.

Desde 2003, explica o historiador Lincoln Secco, autor do livro “A história do PT”, quando sentou pela primeira vez no governo, a esquerda não tem sido mobilizadora, nem em momentos de crise como o mensalão e a prisão de dirigentes do PT, exceto quando foi o Lula. “Para ser aceito no jogo político, o partido prezou pela conciliação social e pela construção de coalizões para escapar da acusação de ser radical”, explicou o professor.

Pós 2013

A mudança se intensificou a partir dos protestos de 2013, que marcaram, na análise do cientista político e professor do Insper Leandro Consentino, a perda do “monopólio das ruas” pela esquerda, abrindo caminho para a entrada de grupos que não participavam ativamente da vida política.

“Antes, o petismo conseguia concentrar boa parte dos discursos voltados para as classes mais baixas, atraindo grandes multidões. Agora, porém, não é só a esquerda que tem essa capacidade, porque manifestações como as de 2013 trouxeram representantes que passaram a dialogar e atingir esse mesmo público”, diz Consentino.

Extrema direita

Soma-se isso a ascensão da extrema direita, fenômeno global marcado por um forte discurso antissistema. Doutora em Ciência Política pela London School of Economics, Carolina Pavese explica que esses grupos ganham força diante da percepção crescente de que direitos estão sendo violados e de que existem inimigos a serem combatidos.

No Brasil, pontua a doutora em Ciência Política pelo Iesp/Uerj Carolina Botelho, a tática foi abraçada pelo bolsonarismo. Com isso, o ex-presidente consegue manter uma mobilização em seu entorno mesmo após deixar o poder e diante de imbróglios jurídicos.

“A agenda discutida nesses grupos é bastante redonda no entorno de questões como a moralidade, os costumes e o ideal de manter a política livre, em que pautas menores como a anistia se encaixam”, pontua a pesquisadora.

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