Imagine o cenário a seguir: um casal heterossexual decide perder peso. Ambos se consultam com o mesmo endocrinologista e começam um programa de emagrecimento juntos. Eles seguem o protocolo médico à risca e, no dia da pesagem, descobrem que ele despachou mais quilos do que ela. Qual é a explicação?
O exemplo acima é fictício, mas imita a realidade de muitas pessoas. “A gente vê muito isso no consultório. Nem sempre eu atendo casal na mesma consulta, porque, a depender do homem, ele faz brincadeiras chatas com a mulher. Elas emagrecem menos, mesmo que façam mais esforço do que o companheiro”, atesta a endocrinologista Andréa Messias Britto Fioretti, vice-presidente do departamento de endocrinologia do esporte e exercício da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem). De acordo com a médica, alguns fatores explicam a diferença entre os sexos.
Composição corporal
Fioretti explica que os homens, naturalmente, têm 38% mais massa magra do que as mulheres. Um homem que não é nem gordo nem magro pode ter até 20% de gordura no corpo, enquanto nas mulheres a porcentagem é de 28.
Como os músculos consomem mais energia do que a gordura, o processo de emagrecimento é, de largada, mais fácil para eles do que para elas. Além disso, os homens costumam ser mais altos do que as mulheres, e têm órgãos maiores, como o coração e o pulmão, que demandam mais gasto energético.
Como se não bastante, a testosterona, um hormônio potente na formação de músculos, é naturalmente mais abundante neles. “Isso não faz com que seja adequado as mulheres utilizarem testosterona para ganhar massa muscular, como, infelizmente, a gente tem visto”, alerta a endocrinologista.
Mecanismo evolutivo
As diferenças não param por aí. A metabolização da gordura feminina é mais lenta do que a masculina, por causa de adaptações evolutivas que preservam a fertilidade em momentos de escassez alimentar.
Uma pesquisa de 2022 comparou dados de homens e mulheres com composição corporal semelhantes. Os cientistas descobriram que elas tinham mais dificuldade para queimar gordura do que eles.
A diferença se explica pela mitocôndria, aquela organela celular que a gente aprendeu nas aulas de biologia na escola. “A mitocôndria masculina é, digamos, mais potente na queima de gordura do que a feminina. Isso, na verdade, é benéfico para a mulher, para que ela consiga procriar mesmo quando falta comida”, explica Fioretti.
Afinal, é preciso ter gordura no corpo para produzir hormônios como o estrogênio e a progesterona, que regulam o ciclo menstrual.
Gravidez e hormônios
Não é segredo que, durante a gravidez, uma pessoa ganha vários quilos. O problema é que muitas gestantes não conseguem voltar ao peso que tinham antes, depois de dar à luz.
“Esse cenário é mais comum nas mulheres de baixa renda, que não têm condição de se cuidar, ainda mais depois de se tornarem mães. Elas têm que voltar a trabalhar logo e não conseguem muitas vezes seguir uma alimentação adequada e fazer atividade física”, diz a endocrinologista.
Mesmo que uma pessoa nunca engravide, a própria menstruação já causa algum impacto no seu peso. Durante a fase pré-menstrual, é comum ter retenção hídrica. Por isso, para quem está em um programa de emagrecimento, o ideal é se pesar sempre na mesma fase do ciclo menstrual.
Caso os hormônios estejam bagunçados, a pessoa terá ainda mais dificuldade para perder peso. O hipotiroidismo, por exemplo, uma deficiência na glândula tireoide que é mais comum no sexo feminino do que no masculino, pode causar ganho de peso por retenção hídrica. No entanto, se a doença estiver sob controle, ela não afeta o número na balança.
Outro distúrbio hormonal comum entre as mulheres é a síndrome dos ovários policísticos, que pode vir acompanhada de um quadro chamado resistência à insulina. Quando isso ocorre, a pessoa tem dificuldade para metabolizar carboidrato e gordura.
Menopausa
Quando a mulher se aproxima da menopausa – o primeiro aniversário a partir da última menstruação, ao redor dos 50 anos – percebe que o metabolismo fica mais lento. Se emagrecer já não era fácil, fica ainda mais difícil.
No entanto, com o avanço da idade, o homem também perde a capacidade de perder peso, porque sua taxa metabólica, que é o quanto uma pessoa gasta de energia durante o dia, cai. “A diferença entre os homens e as mulheres nesse sentido diminui. Piora para a mulher, mas piora também para o homem”, diz a endocrinologista.
Fatores sociais
A mulher é sobrecarregada. Por uma convenção social, a família empurra para ela o cuidado do companheiro, dos pais, dos filhos e de quem mais estiver à sua volta, sem contar as tarefas domésticas. Ela muitas vezes abre mão do autocuidado para se dedicar à casa e à família, mesmo aquelas que botam dinheiro na mesa.
“A gente ainda vê muito isso em casal em que ambos trabalham fora. Quem assume as tarefas da casa é a mulher. Enquanto o marido continua jogando futebol toda semana, a mulher não tem tempo de cuidar de si. Quanto menor a renda familiar, maior é essa diferença entre os homens e mulheres na dedicação às atividades físicas”, afirma Fioretti.