Sábado, 18 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 17 de agosto de 2023
Apesar dos 100 anos de história, a forma como esse fármaco funciona para baixar a febre e aliviar a dor ainda está cercada de mistérios.
Foto: ReproduçãoUma das soluções para aliviar febre e dor, a dipirona sempre figura na lista dos remédios mais vendidos no Brasil. Em outras partes do mundo, porém, a realidade é completamente distinta: em lugares como os Estados Unidos e uma parcela da União Europeia, esse fármaco está proibido há décadas.
Por trás do veto da dipirona nesses locais, está uma grande controvérsia sobre um possível efeito colateral grave da medicação: a agranulocitose, uma alteração no sangue grave e potencialmente fatal marcada pela queda na quantidade de alguns tipos de células de defesa.
Para entender essa história, é preciso conhecer o mecanismo de ação desse remédio.
Funcionamento misterioso
A dipirona foi criada em 1920 pela farmacêutica alemã Hoechst AG. Dois anos depois, ela já estava disponível nas drogarias, inclusive no Brasil.
Ela ficou conhecida pelo nome comercial Novalgina, que hoje pertence ao laboratório francês Sanofi.
Outros remédios populares que trazem dipirona são o Dorflex (também da Sanofi) e a Neosaldina (da Hypera Pharma).
Todos eles estão disponíveis nas farmácias e não precisam de receita médica para serem comprados pelos consumidores.
E, apesar dos 100 anos de história, a forma como esse fármaco funciona para baixar a febre e aliviar a dor ainda está cercada de mistérios.
A farmacêutica bioquímica Laura Marise, doutora em Biociências e Biotecnologia, explica que a principal suspeita é que a dipirona atue contra uma molécula inflamatória conhecida como COX.
“A hipótese é que ela iniba a COX, inclusive um dos tipos dessa molécula que é exclusivo do sistema nervoso central, o que aliviaria a inflamação por trás da febre e da dor”, diz ela.
A proibição
A dipirona estava amplamente disponível em boa parte do mundo até meados dos anos 1960 e 1970, quando começaram a surgir os primeiros estudos que criaram o alerta sobre o risco de agranulocitose.
Um trabalho publicado em 1964 calculou que essa alteração sanguínea grave acontecia em um indivíduo para cada 127 que consumiam a aminopirina – uma substância cuja estrutura é bem parecida à da dipirona.
“Tendo como base essa semelhança química, os autores não fizeram distinção entre as duas moléculas e assumiram que os dados obtidos para a aminopirina seriam também aplicáveis à dipirona”, aponta um artigo da Universidade Federal de Juiz de Fora e da Universidade de São Paulo, publicado em 2021.
A partir dessa e de outras evidências, a Food and Drug Administration (FDA), a agência regulatória dos Estados Unidos, decidiu que a dipirona deveria ser retirada do mercado americano em 1977.
Pouco depois, outros países tomaram a mesma resolução, como foi o caso da Austrália, do Japão, do Reino Unido e de partes da União Europeia.
Já na Suécia, que voltou atrás e liberou a dipirona brevemente nos anos 1990, foram detectados 14 episódios de agranulocitose possivelmente relacionados ao tratamento, com 1 caso para cada 1.439 indivíduos que tomaram esse fármaco.
Essa frequência mais alta, aliás, fez com que o país nórdico proibisse a comercialização do fármaco novamente em 1999.
E no Brasil?
A dipirona foi alvo de uma grande pesquisa realizada na América Latina que ficou conhecida como Latin Study.
Entre janeiro de 2002 e dezembro de 2005, cientistas de Brasil, Argentina e México se debruçaram sobre dados de 548 milhões de pessoas.
Nesse universo, foram identificados 52 casos de agranulocitose – o que representa uma taxa de 0,38 caso por milhão de habitantes/ano.
O trabalho latino ainda mostrou que esses episódios de alteração sanguínea grave são relativamente mais comuns em mulheres, crianças e idosos.