Enquanto médicos recém-formados enfrentam cada vez mais dificuldade para entrar em uma residência e obter o título de especialista, cresce o número de pós-graduações latu-sensu em Medicina. E, do total, 40% são de ensino a distância (EAD), segundo os resultados preliminares do estudo Demografia Médica no Brasil 2025, feito pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) em parceria com a Associação Médica Brasileira (AMB).
Dentre quase 2 mil cursos de pós-graduação em Medicina analisados pelo levantamento, quase metade (927 cursos) são presenciais e pouco mais de 40% (800 cursos), remotos. Outros 216 (11%) são ofertados na modalidade semipresencial.
O cenário ocorre em meio à falta de vagas de residência para todos os médicos formados, em contraposição ao aumento de graduações abertas na última década. Hoje, são mais de 260 mil médicos generalistas (quase metade do total de 575 mil profissionais com essa formação). Ou seja, 260 mil não têm título de especialista.
Parte disso é atribuído ao déficit de oportunidades: em 2022, se formaram 25,5 mil médicos e, no ano seguinte, havia só 16 mil vagas para iniciar uma residência em diferentes especialidades, segundo o coordenador da pesquisa, Mário Scheffer. Conforme o professor da USP, “a residência é a modalidade mais adequada de se formar médicos especialistas”.
Para especialistas, a oferta de residência é mais efetiva que a graduação para fixar profissionais fora dos grandes centros urbanos, onde há carência de profissionais. Procurado, o Ministério da Educação (MEC) não informou se tem planos para a expansão das vagas de residência.
Esse déficit de dez mil vagas de residência- considerando só recém-formados – ajuda a abrir mais espaço para as pós-graduações. Esses cursos de menor duração viram alternativa para quem não consegue entrar em uma residência por causa da alta concorrência ou da dificuldade de se manter somente com a bolsa de residente (R$ 4.106 no valor líquido)
A especialização não é obrigatória na Medicina. Os generalistas podem atuar em diversos campos, geralmente na área clínica (consultórios, não cirurgias), como em unidades básicas de saúde, na atenção primária, em Medicina da Família e do Trabalho. Mas, apesar do nome “especialização” dado às pós-graduações em geral, na Medicina esses cursos não dão ao médico o título de especialista.
Para ser especialista em determinada área, é preciso cursar um programa de residência (que lhe confere automaticamente o título) ou, no caso de médicos sem residência (independentemente de terem ou não uma pós), passar na prova da Sociedade Médica da especialidade.
“Um médico que faz só pós-graduação em Dermatologia não é, automaticamente, um dermatologista. Só é dermatologista o médico que concluiu a residência em Dermatologia ou que fez a prova e foi titulado pela Sociedade Brasileira de Dermatologia. São as duas únicas formas. Mas em algumas especialidades, como na Neurocirurgia, só se tornam neurocirurgiões aqueles que concluíram a residência em Neurocirurgia”, explica Scheffer.
A diferença entre as duas modalidades está na regulamentação, que é mais rígida e obriga maior duração para a residência do que para a pós. Na primeira, há obrigatoriedade de uma parcela de atividades presenciais e da união de teoria e prática.
As residências médicas são obrigatoriamente presenciais, com carga horária mínima de 2,8 mil horas (de dois a cinco anos), distribuídas em cerca de 60 horas semanais, com atividades teóricas, práticas e plantões. Os programas de devem ser aprovados pela Comissão Nacional de Residência Médica (subordinado aos ministérios da Educação e da Saúde), que avalia estrutura física, corpo docente, programa pedagógico e capacidade de oferta de atendimento adequado à formação especializada.
Já as pós-graduações podem ser presenciais, híbridas ou EAD e têm carga horária mínima de 360 horas (o que costuma ser ofertado em um a dois anos). Embora seja obrigatório o credenciamento da instituição e de informações gerais dos cursos junto ao MEC, sua oferta independe de aval ou reconhecimento do governo.
Dentre os mais de 2 mil cursos de pós latu-sensu em Medicina analisados na pesquisa, as áreas mais frequentes são Endocrinologia e Metabologia, Dermatologia, Psiquiatria, Radiologia e Diagnóstico por Imagem e Hematologia e Hemoterapia.
Públicos diferentes
Além das diferenças de conteúdos abordados e formato de ensino, a residência e a pós parecem atrair públicos diferentes: os residentes têm dedicação em tempo integral e recebem bolsas de estudo (pagas pelo governo, no caso de instituições sem fins lucrativos, e pelos hospitais ou faculdades, nas instituições privadas com fins lucrativos).
Já os pós-graduandos geralmente pagam mensalidade (por se tratar, em sua maioria, de faculdades privadas) e precisam dedicar carga horária semanal menor ao curso, permitindo ao médico conciliar o estudo com o trabalho.
Para poder se capitalizar com plantões e atendimentos, muitos recém-formados não entram nas residências imediatamente após a graduação, tendo, assim, as pós como alternativa para continuar os estudos enquanto recebem renda maior do que teriam com a bolsa da residência. As informações são do portal Estadão.