Domingo, 22 de dezembro de 2024
Por Lenio Streck | 13 de março de 2021
Seguindo a dica de Ítalo Calvino, penso que Machado de Assis é um clássico que deve ser relido. Escolho a Teoria do Medalhão. Já falei disso aqui, mas sempre é atual. Contar coisas que já contamos são sempre novas “contações”.
Então. O filho completa 21 anos e seu pai lhe dá um conjunto de conselhos. Se ele seguir as dicas, poderá ser um “medalhão”. O típico alienado de nosso tempo, o chutador de ideias, o palpiteiro, o néscio, o reacionário, o analfabeto funcional.
Pensem no Janjão, o aniversariante. Um burraldo, que não lê nada; pensem no internauta que faz raciocínios mais rasos do que os calcanhares de uma formiga anã; pensem no sujeito que não consegue ler este texto até o final, porque não capacidade de concentração. Mão à obra, então, para o resumo:
– Fecha aquela porta; vou dizer-te coisas importantes. Senta-te e conversemos.
— Janjão, meu filho, nenhum ofício me parece mais útil e cabido que o de medalhão. Ser medalhão foi o sonho da minha mocidade; faltaram-me, porém, as instruções de um pai, e acabo como vês, sem outra consolação e relevo moral, além das esperanças que deposito em ti. Ouve-me bem, meu querido filho, ouve-me e entende. És moço, tens naturalmente o ardor, a exuberância, os improvisos da idade; não os rejeites, mas modera-os de modo que aos quarenta e cinco anos possas entrar francamente no regímen do aprumo e do compasso.
— É verdade, por que quarenta e cinco anos?
— Não é, como podes supor, um limite arbitrário, filho do puro capricho; é a data normal do fenômeno. Geralmente, o verdadeiro medalhão começa a manifestar-se entre os quarenta e cinco e cinquenta anos, conquanto alguns exemplos se deem entre os cinquenta e cinco e os sessenta; mas estes são raros. Há-os também de quarenta anos, e outros mais precoces, de trinta e cinco e de trinta; não são, todavia, vulgares. Não falo dos de vinte e cinco anos: esse madrugar é privilégio do gênio.
— E sigo, Janjãozinho. Venhamos ao principal. Uma vez entrado na carreira, deves pôr todo o cuidado nas ideias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio. O melhor será não as ter absolutamente; coisa que entenderás bem, imaginando, por exemplo, um ator defraudado do uso de um braço. Ele pode, por um milagre de artifício, dissimular o defeito aos olhos da plateia; mas era muito melhor dispor dos dois. O mesmo se dá com as ideias; pode-se, com violência, abafá-las, escondê-las até à morte; mas nem essa habilidade é comum, nem tão constante esforço conviria ao exercício da vida.
— Mas quem lhe diz que eu…
— Tu, meu filho, se me não engano, pareces dotado da perfeita inópia mental, conveniente ao uso deste nobre ofício. No entanto, podendo acontecer que, com a idade, venhas a ser afligido de algumas ideias próprias, urge aparelhar fortemente o espírito.
– As ideias são de sua natureza espontâneas e súbitas; por mais que as sofremos, elas irrompem e precipitam-se. Daí a certeza com que o vulgo, cujo faro é extremamente delicado, distingue o medalhão completo do medalhão incompleto.
– Você pode ser um medalhão completo, Janjão! Você vencerá!
— Meia-noite.
— Meia-noite? Entras nos teus vinte e dois anos, meu peralta; estás definitivamente maior. Vamos dormir, que é tarde. Rumina bem o que te disse, meu filho. Guardadas as proporções, a conversa desta noite vale o Príncipe de Machiavel. Vamos dormir”. Fim do conto.
Eis a Teoria do Medalhão. O que tem de gente que segue essa teoria… Um bom lugar para encontrar os adeptos da teoria é dar um passeio dos grupos de whatsapp e face book. Quem faz tik, tak, por exemplo, já é catedrático. Também nas estações de rádio e TV.
Pior de tudo: essa gente já é maioria. Na semana passada zapeava no rádio e, em uma estação, entrevistavam um vendedor, deitando cátedra sobre COVID. Bom, ele era patrocinador do programa.
Janjão faz escola!