Parece que todo mundo com quem converso tem diagnóstico de alguma nova doença autoimune. O que está acontecendo? Sua observação está correta. As doenças autoimunes vêm aumentando no mundo todo, e a genética por si só não consegue explicar esse fenômeno.
As doenças autoimunes são problemas que ocorrem quando o sistema imunológico ataca o corpo. Existem mais de 100 doenças consideradas autoimunes, desde as mais conhecidas, como artrite reumatoide, lúpus e esclerose múltipla, até as menos conhecidas, como esclerodermia e hepatite autoimune.
Nos Estados Unidos, 1 em cada 5 habitantes tem alguma doença autoimune. Essas doenças afetam mais as mulheres do que os homens e, muitas vezes, passam de geração em geração, embora a genética seja apenas um dos fatores de risco.
As doenças autoimunes estão aumentando de uma forma que não é explicada apenas pelos nossos genes: por exemplo, entre 1950 e 2000 as taxas de incidência da doença de Crohn, da esclerose múltipla e do diabetes tipo 1 aumentaram em mais de 300%.
E, se nos aprofundarmos no que está mudando, a história fica ainda mais complexa. Não só as doenças autoimunes estão aumentando, como também estão ocorrendo com mais frequência entre os mais jovens. As doenças autoimunes de início precoce apresentam desafios específicos: a doença crônica que começa na infância pode alterar seriamente a vida do indivíduo e de sua família. E a doença de início precoce pode aumentar o risco de outras doenças autoimunes.
Além disso, as doenças autoimunes estão aumentando onde antes eram menos comuns. Um exemplo bem estudado é a doença inflamatória intestinal, que durante a maior parte do século 20 era muito mais comum na América do Norte e na Europa, mas nas últimas décadas tem aumentado na América do Sul, na Ásia e na África.
E estamos observando um padrão intrigante em muitas doenças autoimunes: quando as pessoas se mudam para outros países, o risco de doença de seus filhos se assemelha ao da população local – e não ao do País de nascimento dos pais. Por exemplo, a incidência de diabetes tipo I no Paquistão é de cerca de 1 caso por 100 mil pessoas, enquanto no Reino Unido é mais de 10 vezes maior. Mas a taxa de desenvolvimento de diabetes tipo I entre os filhos de paquistaneses que se mudaram para o Reino Unido é semelhante à da população geral do Reino Unido.
“Teoria da higiene”
Uma teoria mais antiga sobre a origem das doenças autoimunes e alérgicas é a chamada “teoria da higiene”, que diz que o excesso de limpeza – ou, mais especificamente, o declínio das doenças infecciosas e o aumento do uso de antibióticos – enfraqueceu nosso sistema imunológico.
Nosso ambiente, que interage intimamente com nosso genoma, provavelmente tem um papel importante nessa história. No entanto, ficou claro que a teoria da higiene não capta muito bem o que está acontecendo: nosso risco de desenvolver essas doenças parece estar mais ligado à nossa exposição aos micróbios do dia a dia, em oposição aos verdadeiros patógenos infecciosos.
Isso inclui os micróbios que encontramos pelo canal de parto quando bebês e os que vivem em nosso intestino (muito influenciados pela dieta), além das interações com outras crianças, como em creches, e com animais em casa ou em fazendas.
Embora alguns aspectos de nosso ambiente moderno sejam “mais limpos” hoje do que no passado, as mudanças prejudiciais à saúde que aumentam nosso risco de doenças autoimunes estão por toda parte: nossa comida está cada vez mais ultraprocessada, estamos sempre estressados e dormindo mal, e a poluição do ar saiu do controle em grande parte do mundo. Já se demonstrou que todos esses fatores têm um papel no desenvolvimento de doenças autoimunes (portanto, minimizar sua “higiene” pessoal, como evitar lavar as mãos, provavelmente não é uma maneira útil de reduzir o risco).
E há outra peça nesse quebra-cabeça. Mais jovens estão sendo diagnosticados com câncer. Esses dois fenômenos – câncer e doença autoimune – são o yin e o yang da imunologia. Nosso sistema imunológico está sempre procurando e eliminando os cânceres de nosso organismo. Muitos fatores de risco ambientais que talvez ajudem esses cânceres a não serem detectados hoje são diferentes daqueles das gerações passadas – e estão nos atingindo em idades mais jovens. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.