Dizem que dinheiro não traz felicidade. Alguns completam a frase afirmando que “ele manda buscar”. Piadas à parte, as sociedades modernas se organizaram em torno de algo que, apesar de ser meramente simbólico, trabalhamos para obter, pessoas vivem e morrem por ele, e países fazer guerras em seu nome. Agora a ampla digitalização do cotidiano propõe que repensemos nosso relacionamento com o dinheiro.
Desde os tempos do Império Romano, quando soldados recebiam seu pagamento em sal (de onde vem o termo “salário”), o dinheiro está associado a algo físico. Ao longo dos séculos, ele se consolidou no formato de notas e de moedas.
Mas qual o real valor do dinheiro? Não me refiro apenas ao que se compra com ele. Afinal, por que um retângulo de papel com a figura de Benjamin Franklin vale quase seis vezes mais que outra nota, com a figura de uma garoupa, sendo que as duas afirmam valer “100 dinheiros”?
Essa abstração abre portas, mas também pode aprisionar almas e distorces outros valores: os morais. É um símbolo ambíguo de poder e de servidão. Do miserável ao milionário, sempre queremos mais dinheiro: o primeiro, para satisfazer suas necessidades básicas de subsistência; o segundo, para afagar um ego de quem já tem tudo.
As próprias nações têm no dinheiro um aspecto essencial de sua identidade e soberania. A autoridade financeira é essencial para seu desenvolvimento. Por isso, o crescimento das criptomoedas (que têm no Bitcoin seu maior expoente), que não são controladas por ninguém, desperta apreensão em muitas autoridades.
Elas são fruto da tecnologia digital e de mentes inventivas, que tornam ainda mais abstrato e volátil o simbolismo do dinheiro. Essa mesma tecnologia está transformando como usamos as moedas tradicionais, afastando-nos cada vez mais do meio físico e passando para pagamentos e transferências digitais, sem contato, com nossas carteiras migrando para “a nuvem”.
Tudo isso me remete novamente à pergunta sobre quanto vale o dinheiro. E penso que isso não deve girar meramente em torno do que podemos comprar com ele, mas na capacidade de transformar a vida das pessoas. Assim, não deve ser idolatrado como uma divindade, mas ser encarado como uma ferramenta a ser usada com sabedoria, para crescermos individual e coletivamente.
Essas minhas ideias ganharam mais força quando visitei, na semana passada, o laboratório de inovação da Mastercard, em Nova York (EUA). Entre diversas reuniões, duas conversas me chamaram particularmente a atenção.
A primeira delas foi com Rasika Raina, vice-presidente executiva de soluções de transferência, e com Stefany Bello, vice-presidente sênior de desenvolvimento de mercados para a América Latina. Falamos sobre como a tecnologia facilita a transferência de valores entre pessoas em diferentes países, particularmente para populações mais pobres. Segundo elas, 75% das pessoas que recebem dinheiro de fora usam isso para necessidades básicas, como comida, moradia, roupas e educação. Dessa forma, agilizar e baratear essas transações faz uma grande diferença em suas vidas.
A segunda foi com Shamina Singh, fundadora e presidente do Centro Mastercard para Crescimento Inclusivo. Ela mostrou como a tecnologia está promovendo a inclusão financeira de populações desbancarizadas ou sub-bancarizadas, promovendo profundas transformações no cotidiano dessas pessoas.
São iniciativas nobres e que mostram como o dinheiro é importante e deve chegar a todos. Não há como fugir dele, portanto temos que transformá-lo em uma força positiva em nossas vidas, sem nunca nos escravizarmos por ele.
O valor do dinheiro depende apenas do que lhe atribuímos. A vida não pode ser dividida em notas ou moedas.
Portanto, se quisermos que ele seja realmente valioso, não devemos trabalhar para tê-lo como um fim em si mesmo. O verdadeiro tesouro reside em conseguirmos usá-lo para construir vidas ricas de sentido, propósito e bem-estar, para nós mesmos e para quem estiver a nossa volta. (Paulo Silvestre/AE)