Quarta-feira, 12 de março de 2025
Por Redação O Sul | 11 de março de 2025
Nesta quarta (12), pela primeira vez na história do Superior Tribunal Militar (STM) uma mulher assume como titular eleita a presidência da Corte. Para chegar ao posto, a ministra Maria Elizabeth Rocha colecionou dissabores e teve que enfrentar seus pares. Até mesmo a festa da posse foi motivo de querela tratada a portas fechadas no tribunal superior do País.
Maria Elizabeth assume o comando da mais alta corte militar num momento delicado para as Forças Armadas. Há um grupo de oficiais, alguns deles com estrela de general no ombro, denunciados ao STF por tentativa de golpe de Estado.
Parte dos militares, incluindo ministros do STM, gostaria de ver esses oficiais respondendo por seus atos na justiça militar. Mas, até agora, prevaleceu o entendimento de outro tribunal superior, o STF, que prefere julgar todos os acusados ele mesmo.
Maria Elizabeth, pelo que já disse publicamente, considera que o 8 de janeiro foi muito além de uma baderna em prédio público. Também prega que militar não deve se envolver em política, mas evita entrar na disputa jurídica sobre de quem é a competência para julgar os denunciados da caserna.
A futura presidente do STM prefere comprar outra briga: fazer com que o tribunal seja visto como um lugar de togados e não uma extensão do quartel. Quando assumiu a vaga de ministra em 2007, indicada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, então em seu segundo mandato, não era a primeira civil, mas foi a primeira mulher. De início foi enquadrada por seus pares. De um deles ouviu a frase: “Progressismo é da porta para fora; daqui para dentro é hierarquia e disciplina”.
Dali em diante especializou-se em ser o voto vencido na corte. A expressão é dada aos magistrados que estão sempre do lado que perde nos julgamentos. O desconforto de ex-generais com a primeira mulher com “patente” de ministra do STM chegou até 2024. Em dezembro, quando a corte se reuniu para eleger o novo dirigente, Maria Elizabeth, que por antiguidade, teria direito preferencial ao posto, teve que enfrentar outro candidato.
O que se deu no dia 5 de dezembro do ano passado não se vê em outros tribunais, onde a votação é uma formalidade e o mais antigo é sempre referendado pelos colegas. Como Maria Elizabeth tinha assumido interinamente por alguns meses a presidência do tribunal há dez anos, houve quem achasse que isso seria motivo para não permitir sua chegada pelo voto ao posto mais alto da corte. No STM, são 15 ministros e a votação ficou 7 a 7. A própria Maria Elizabeth teve que votar nela mesma, desempatando e sendo eleita pela diferença de apenas um voto, o dela.
Este ano, uma nova votação, dessa vez em sessão reservada, serviu de indicação de que parte do STM tem reticências em relação às ideias de Maria Elizabeth. A tradição ditava que o novo presidente é empossado no prédio do STM. Como as instalações são antigas e não cabe todo mundo no plenário da Corte, virou praxe alugar tendas de toldo para a celebração. Mas Maria Elizabeth quis fazer diferente. Propôs aos colegas que a solenidade fosse realizada no Teatro Nacional de Brasília, um edifício de Oscar Niemeyer virado para a Esplanada dos Ministérios.
Um grupo de ministros, alguns deles egressos das Forças Armadas, considerou que dar posse ao dirigente da Corte numa sala de teatro não combinava. Maria Elizabeth ainda argumentou que só com o aluguel dos toldos o STM costuma gastar mais de R$ 200 mil e que no prédio de Niemeyer não haveria tal custo. O placar ficou assim: seis votos para a festa ser como a próxima presidente queria que fosse, três votos contra e outros três que topavam a ida ao teatro, mas após um ato formal no próprio tribunal.
A pequena disputa sobre a festa da posse antecipa que a gestão de Maria Elizabeth pode vir a enfrentar outros dissabores e polêmicas com seus pares. Nesta quarta, a solenidade será no Teatro Nacional. E vai ter hino nacional na voz de uma cantora lírica negra acompanhada por uma pianista. Em seguida, a versão do hino brasileiro será cantada na língua Tikuna por uma indígena. Na sequência haverá peças de Villa Lobos, Bach e Debussy.
Depois a cerimônia segue o protocolo com assinatura de ato de posse e discursos. Maria Elizabeth não pretende falar de 8 de janeiro, denúncia contra militares no STF ou tentativas de golpe e envolvimento de setores da Forças Armadas. Isso pode aparecer em discursos de outros com direito a voz na solenidade. Já a presidente a ser empossada deve seguir outra linha e falar da necessidade dar espaço às mulheres e protegê-las do abuso.
O código penal militar prevê, por exemplo, o crime de violação ao recato, que dá pena de um ano de detenção. Com as mulheres ocupando postos e patentes nos quarteis chegam ao STM notícia de soldados que filmam e expõem colegas. (Opinião por Francisco Leali/Estadão Conteúdo)