O modelo escolhido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para fazer a discussão da reforma tributária deve dificultar o acréscimo de dispositivos legais à proposta de emenda constitucional (PEC). O parecer do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) será apresentado direto no plenário da Câmara. O rito, inusual, torna mais complicado aprovar emendas.
Ribeiro apresentou um relatório sobre a proposta na terça-feira passada, após três meses de debates por um grupo de trabalho. Ainda não é o texto da PEC em si, que só será conhecido cerca de dez dias antes da votação em plenário, prometida para a primeira semana de julho. O relatório, porém, apontou as principais diretrizes, como permitir uma alíquota menor no novo imposto apenas para educação, saúde, transporte público coletivo e para a produção rural. Outros setores que demandam alíquota menor, como serviços em geral, não foram contemplados.
Para mudar isso no plenário, será mais difícil com o rito de tramitação escolhido. Geralmente, uma PEC é aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o que ocorreu com a PEC 45 em 2019, e depois por uma comissão especial formada apenas para analisar o assunto, propor emendas e votar um parecer. Nesse colegiado, é mais fácil para os deputados fazerem alterações à revelia da vontade do relator porque as emendas dependem apenas de maioria simples (metade dos votos mais um) para serem aprovadas. No plenário da Câmara, é preciso a maioria qualificada, de 3/5 dos deputados.
Uma demanda de parte dos empresários é restringir mais os itens sobre os quais incidirá o futuro Imposto Seletivo (IS). Na concepção do GT, ele taxará produtos e serviços que forem “prejudiciais à saúde e ao meio ambiente” — o que permitiria, por exemplo, que a futura lei complementar aumente a carga tributária sobre alimentos com muito açúcar. Se fosse na comissão especial, seria possível alterar a redação com o voto de 18 dos 34 integrantes (53%). Já no plenário, será preciso o apoio de 308 dos 513 deputados (60%).
Lira, contudo, decidiu fazer os debates da reforma num grupo de trabalho e votar a PEC direto no plenário. Ele vem defendendo esse modelo desde a aprovação do “pacote anticrime” do ex-juiz Sergio Moro, dizendo que é mais célere e focado. É, também, um meio de aumentar a influência de Lira. Na comissão, os membros são escolhidos livremente pelos partidos, que podem trocá-los a qualquer hora, e a divisão das vagas ocorre de acordo com tamanho de cada sigla. No caso do GT, os integrantes são indicados pelo presidente da Câmara e sem respeitar a proporcionalidade dos partidos. No grupo da reforma, por exemplo, o PL, com 99 deputados, e o Psol, com 14, tiveram o mesmo número de integrantes.
Essa discussão apenas no grupo de trabalho foi possível porque a reforma já chegou a ser debatida por uma comissão especial de 2019 a 2021 e estourou o prazo de 40 sessões, o que permite ao presidente da Câmara avocar o texto para o plenário. Esse colegiado foi criado pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (PSDB-RJ) e extinto por Lira pouco após a apresentação do parecer do relator (Aguinaldo Ribeiro, naquele ano, tinha feito campanha contra a eleição dele para a presidência). A discussão da PEC ficou a cargo do Senado, que não conseguiu avançar.
Poder a Ribeiro
A apresentação do texto direto no plenário dará a Ribeiro o poder de decidir pontos importantes da PEC. Obviamente, isso será feito com o conjunto dos partidos e dos líderes de cada bancada, porque o texto-base da proposta precisa de 308 votos em dois turnos para ser aprovado pelo plenário. A estratégia traçada por Lira com aliados é semelhante à utilizada para aprovar o novo marco fiscal do país: um acordo para que todos votem a favor do texto principal e, se possível, não apresentem emendas.
Fonte a par da tramitação pondera que os setores já beneficiados no relatório, como saúde, educação e produção rural, são aqueles que já contariam com 308 votos no plenário. Há pressões, contudo, de diversos setores para terem um tratamento diferenciado ou regime específico, além de demandas mais técnicas, como as regras para uso de créditos tributários pelas empresas do Simples. Nos casos de PECs, os partidos optam geralmente por fazer emendas supressivas, porque são os parlamentares favoráveis ao texto que precisam garantir os 308 votos para mantê-lo, o que faz com que, no plenário, seja mais fácil excluir pontos do que alterar a redação.
Ribeiro é hábil em atender as preocupações dos deputados ou, pelo menos, mostrar que fez o possível para contemplá-los. No relatório do GT, citou nominalmente os integrantes e suas sugestões, mesmo que não acolhidas.