Quando estudava e militava em centros estudantis da Universidade Autônoma do México (Unam), onde se formou como física, Claudia Sheinbaum chamava a atenção dos colegas pelo estilo firme, porém sereno.
Analistas políticos como a mexicana Guadalupe González, que conhecem alguns dos colegas de militância da primeira mulher a ocupar, desde outubro, a Presidência do país, não ficaram surpresos ao ver como ela reagiu diante da ofensiva comercial do americano Donald Trump contra o México. O que González definiu como um “populismo zen e tecnocrata” entrou em campo e colheu elogios ao redor do mundo.
A presidente que mais votos recebeu na História do México — cerca de 35 milhões — não só enfrentou com uma tranquilidade impactante os ataques do presidente dos EUA como, cresceu internamente com o embate. Do alto de seus 85% de popularidade, segundo pesquisas recentes divulgadas no país, Claudia soube capitalizar a disputa com Trump e, de quebra, fortalecer-se no cenário interno, onde enfrenta enormes desafios.
“A presidente é uma mulher disciplinada, sempre foi. Consulta aliados antes de tomar decisões e tem um estilo sereno e muito firme. Pode ser muito dura quando quer, mas sem gritar”, afirma González, do Colégio do México. “Claudia convocou a população com um discurso de união nacional porque precisa se mostrar forte para seu público interno e externo. Ela precisa fortalecer a imagem de uma líder que Trump não pode subestimar e, internamente, ampliar seus espaços de poder, inclusive dentro de seu próprio partido.”
Em meio às ameaças do presidente americano de aplicar tarifas de 25% aos produtos mexicanos, Claudia manteve a calma, informou regularmente os mexicanos sobre suas conversas telefônicas com Trump e, finalmente, conseguiu uma trégua na guerra comercial – que pode estar prestes a acabar a qualquer momento.
Enquanto lida de forma quase budista com o presidente americano, no entanto, a presidente enfrenta no cenário interno o fantasma de seu antecessor, o ex-presidente Andrés Manuel López Obrador, que anda mais silencioso do que muitos esperavam.
Dentro do partido governista, o Movimento de Regeneração Nacional (Morena), a presidente tem, segundo o analista e escritor Carlos Bravo, “várias camisas de força”. De acordo com Bravo, Sheinbaum não controla o Congresso, apesar de ter maioria, e tampouco a agenda do governo, muitas vezes definida por políticos próximos de López Obrador, entre eles seu filho, que é presidente do Morena.
“Claudia foi a candidata da continuidade e isso implica limitações, como fazer críticas ao governo anterior”, afirma. “Mas o embate com Trump está, aos poucos, permitindo-lhe afrouxar essas camisas de força, porque ela continua se fortalecendo. A briga com os EUA está sendo bem capitalizada pela presidente, dentro e fora do país.”
Corrosão democrática
Com o aumento vertiginoso de sua popularidade, ela ganha fôlego não só para enfrentar Trump, mas também, aos poucos, descolar-se de seu antecessor. Ainda assim, os movimentos inteligentes — e até agora bem-sucedidos — da presidente mexicana, alerta Bravo, não devem levar “a uma campanha de idolatria”.
“Diante de um troglodita como Trump, existe a tendência de supervalorizar a presidente e esquecer que ela é herdeira de um projeto de poder que corroeu e ainda corrói a democracia mexicana. Em rankings como o elaborado pela revista Economist, nosso país é considerado um regime híbrido, e não mais uma democracia”, salienta o analista mexicano.
Risco de recessão
Uma das medidas que mais impactaram na imagem do sistema democrático mexicano foi a reforma do Judiciário, aprovada na reta final do governo de López Obrador. Segundo analistas, os danos para a chegada de novos investimentos estrangeiros diretos, em um momento em que a economia mexicana enfrenta o risco real de cair em recessão, foram grandes.
Sheinbaum, longe de questionar a reforma, sempre a respaldou, assim como outras iniciativas vistas como prejudiciais na hora de apresentar ao mundo um país previsível e com segurança jurídica garantida, aponta o economista Antonio Ortiz-Mena, CEO da AOM Advisors, com sede em Washington.
“Os principais problemas de Claudia hoje não são as tarifas americanas, mas, sim, a incerteza que existe sobre o México e que pode afetar futuros investimentos”, explica Ortiz-Mena.
Enquanto Trump adota medidas para reduzir impostos internos e desregular a economia, acrescenta, o México tem dificuldades para se tornar mais competitivo em relação aos EUA e ao Canadá.
“Claudia apresentou um plano para tornar o México a décima maior economia mundial, mas, para isso, precisa de novos investimentos estrangeiros”, afirma o economista.
Na disputa com Trump, a presidente mexicana tem fortalezas e fragilidades e tem sido eficiente no uso de suas fortalezas. A existência de um inimigo externo lhe permitiu fazer uma convocação à união nacional, conseguindo, além de apoio popular, o respaldo contundente das câmaras empresariais. (O Globo)