Quinta-feira, 30 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 28 de fevereiro de 2024
Do uso de igrejas como fachada até a criação de contas em bancos digitais, o Primeiro Comando da Capital (PCC), maior organização criminosa do País, tem diversificado as formas de lavar dinheiro para esconder os ganhos obtidos com o tráfico internacional de drogas e driblar a fiscalização da polícia. A estimativa é que a facção lucra US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5 bilhões) ao ano, em atuação que extrapola as fronteiras.
Autoridades policiais apontam que o avanço do tráfico de cocaína criou uma maior necessidade não só de o PCC, como de outras organizações criminosas, de sofisticar as formas de lavar dinheiro e tirar o peso de estratégias já conhecidas pelos investigadores. “Seguir o caminho do dinheiro”, afirmam promotores e delegados, tem se tornado algo cada vez mais complexo.
“Antes, o PCC mandava 100kg, 200kg, 300kg, para outros países, muitas vezes em uma bolsa em um container. Hoje são de 4 a 5 toneladas por mês”, afirmou o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP). “Mas estima-se que o tráfico ligado a nomes do PCC é muito maior.”
Segundo ele, o crescimento do tráfico foi tamanho ao longo dos últimos anos que alguns dos principais nomes do grupo criminoso surgido nos anos 1990, como Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, e Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, passaram a ter negócios próprios para o tráfico. A venda de cocaína para a Europa é considerada o atual carro-chefe.
Como reflexo disso, só no porto de Antuérpia, na Bélgica, foram apreendidas 110 toneladas de cocaína em 2022. Segundo maior consumidor de pó do mundo e vizinho de países produtores, o Brasil também tem forte atuação no envio de remessas para África e Ásia.
Essa maior movimentação, acrescentou o promotor, criou uma maior necessidade do PCC de ampliar as formas de lavar dinheiro. Não à toa, esse tem sido um dos focos principais das denúncias mais recentes oferecidas no âmbito da Operação Sharks, do MP-SP, além de ser abordado em investigações em outros Estados.
Das “casas-cofre” ao sistema digital
Um reflexo da sofisticação das formas de lavar dinheiro tem sido o gradual abandono das chamadas “casas-cofre”, tradicionais nos esquemas de lavagem de dinheiro do PCC.
“Antigamente, se arrecadavam, por exemplo, R$ 10 milhões, compravam uma casa, construíam um cofre – ou enterravam o dinheiro – e colocavam uma família para morar. Depois, de vez em quando, abriam o cofre para pagar um fornecedor”, disse Gakiya. Outra forma tradicional de lavagem são os postos de gasolina.
Com o fortalecimento da facção, um dos métodos que crescem é o de se infiltrar na administração pública. Algumas empresas de ônibus que mantêm contratos com a Prefeitura de São Paulo têm diretores investigados pela polícia em razão da suposta participação em crimes ligados ao PCC.
Fora dos contratos com governos, as estratégias vão desde aplicar o rendimento ilícito em criptoativos até usar igrejas para lavar dinheiro. “Há situações também, que ainda estamos investigando, de criminosos ligados ao PCC criarem suas próprias fintechs, os bancos digitais. São pelo menos duas ou três instituições, que estão sob investigação, ligadas a criminosos até famosos do PCC”, disse Gakiya.
Por ser uma investigação ainda em andamento, o promotor afirma não ser possível precisar se são fintechs que já existiam (e foram cooptadas pelo crime organizado) ou se foram criadas já com o fim de lavar dinheiro.
Lavagem envolve até igrejas
O MP potiguar deflagrou em 2023 uma importante fase Operação Plata, criada para desmantelar um esquema encabeçado por nomes ligados ao PCC investigado por usar sete igrejas para lavar dinheiro em diferentes Estados: além do Rio Grande do Norte, havia unidades na Paraíba e em São Paulo.
“As igrejas não foram criadas para esse fim, mas eram usadas para fazer o que chamamos de mescla: uma mistura de recursos lícitos – dízimos e doações dos fiéis – e também recursos ilícitos”, disse Lima, um dos responsáveis por oferecer a denúncia à Justiça.
Unidades da Assembleia de Deus para as Nações de Jardim de Piranhas (RN) e Sorocaba (SP) estão entre as investigadas. Procuradas pela reportagens, nenhuma das igrejas se manifestou até a publicação deste texto.
A ofensiva teve como alvo principal Valdeci Alves dos Santos, o Colorido, de 52 anos, criminoso que já foi apontado como nº 2 do PCC nas ruas – atualmente ele está preso da Penitenciária Federal de Brasília. Além de seu irmão, Geraldo dos Santos Filho, de 48 anos. Ele é acusado de se passar por pastor no esquema. “Ano após ano a coisa vai ficando um pouco mais complexa.”
A suspeita é de que o grupo, composto por aproximadamente 12 integrantes, tenha lavado mais de R$ 23 milhões ao longo dos últimos dez anos, em esquema que também envolvia compra de fazendas e imóveis para “esconder” o dinheiro do tráfico.
A maior parte desse montante, conforme a investigação, foi obtida por meio do tráfico de drogas no Sudeste. A relação com o Rio Grande do Norte é porque trata-se do Estado de origem de Colorido.
Nos últimos dias o PCC tem vivido um racha, com a divisão entre Marcola e rivais, com trocas de ameaça de morte entre as lideranças, o que pode influenciar estruturas dos negócios da facção. A reportagem não conseguiu contato com as defesas de Tuta, Dezinho e Colorido.