Terça-feira, 25 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 24 de fevereiro de 2025
Motivo de dor de cabeça para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o aumento do custo de vida é peça-chave da tendência que analistas têm chamado de “onda anti-incumbente” na política mundial, em que prevalecem vitórias da oposição — desde 2019, foram 21 em 25 eleições mapeadas.
Com pandemia e guerras, trata-se de um tempo inflacionário, e a redução do poder de compra é um problema que se reflete no voto. O próprio petista se beneficiou disso em 2022, quando o governo Jair Bolsonaro chegou a registrar IPCA de dois dígitos no acumulado de 12 meses, algo atípico desde a criação do real, na década de 1990.
Cada um com seus patamares e particularidades, Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Argentina e Colômbia são exemplos de grandes economias e de vizinhos do Brasil em que o bolso pesou na tomada de decisão do eleitor, que escolheu candidatos e partidos oposicionistas, à direita e à esquerda. Na Alemanha, que enfrentou a pior inflação em mais de duas décadas, a centro-esquerda à frente do país foi preterida na eleição de ontem, que teve vitória da centro-direita e crescimento da extrema-direita.
Em boa parte dos casos, a exemplo do alemão, o percentual inflacionário não estava alto no momento eleitoral, mas o passado recente de elevação ainda impactava a vida das pessoas.
No cenário brasileiro, o índice geral da inflação está perto da meta, abaixo dos 5% ao ano, mas o que pesa hoje contra Lula é mesmo o custo dos alimentos. É aquela inflação mais palpável, que as pessoas sentem diariamente no supermercado. O café, a carne e o ovo, por exemplo, passaram por aumentos superlativos nos últimos meses. Em 2024, o índice geral fechou em 4,83%, mas o segmento de alimentos e bebidas teve alta de 7,69%.
“Bidenização”
Autor de “O país dos privilégios” e “Dinheiro, eleições e poder”, Bruno Carazza alerta para o risco de “bidenização” do presidente Lula, em referência ao ex-presidente americano Joe Biden. No pós-pandemia, os Estados Unidos — que geralmente não têm a inflação como fantasma — chegaram a registrar quase 10% em dado momento. A gestão Biden a reduziu, mas os dados positivos, que também incluíam outros indicadores macroeconômicos tradicionais, não foram suficientes para apaziguar o discurso da oposição trumpista na campanha.
“Isso foi muito utilizado na campanha eleitoral dos Estados Unidos. O pessoal do Trump martelava o tempo todo como estava mais caro encher o tanque, como a carne e o leite subiram, os imóveis. Pesou muito na escolha do eleitor”, afirma o professor da Fundação Dom Cabral.
Lula ainda enfrenta uma situação mais desfavorável, hoje, porque os preços de alguns alimentos e do combustível continuam crescendo, diz Carazza. No horizonte, a esperança para o petista é a previsão de safra recorde, na contramão de um 2024 marcado por eventos climáticos que prejudicaram a produção.
Lula corre um risco grande de sofrer o mesmo efeito que os democratas sofreram. E a direita está explorando. A coisa do boné (com a frase “Comida barata novamente, Bolsonaro 2026”) mostra isso. Há também muitos memes nas redes criticando o preço da carne, do café, do azeite.
Em suma, mesmo que Bolsonaro tenha registrado péssimos índices inflacionários, e que Lula tenha se beneficiado disso na campanha — durante a qual prometeu “picanha e cervejinha” de volta à mesa dos brasileiros —, o problema agora aflige o próprio petista. Fica a sensação, como pesquisas já diagnosticaram, de que o presidente não entrega o que garantiu no processo eleitoral que entregaria.
A vitória de Lula em 2022, contra um incumbente que tinha dados negativos de inflação, não foi a única dele nesses moldes. Guardadas as muitas diferenças, a disputa de 2002 também se deu em um contexto de perda de poder de compra dos brasileiros. Depois de um primeiro mandato bem-sucedido, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) fechou o segundo, naquele ano, com o maior índice de inflação desde 1995, 12,5%. Quem puxou a alta foi justamente o segmento de alimentos e bebidas, com 19,5% no acumulado. Lula venceu o tucano José Serra e virou presidente pela primeira vez.
Mundo
Parecido com o caso americano, o Reino Unido havia voltado ao patamar de 2% de inflação quando os trabalhistas venceram os conservadores pela primeira vez em 14 anos, no ano passado. Até o início de 2023, contudo, o país seguia com o atípico patamar de 10%, sempre considerando o acumulado em 12 meses.
Na Itália, também parte das dez maiores economias do mundo, a direitista Giorgia Moloni chegou ao poder numa formação de governo parlamentarista em outubro de 2022, quando a inflação acumulada bateu 11,84%.
Há ainda exemplos na vizinhança do Brasil. A Argentina pode estar acostumada à hiperinflação, mas os 142% acumulados em 12 meses no momento da eleição de 2023 foram demais, e o ultraliberal Javier Milei derrotou o peronismo. Na Colômbia, o ano da vitória do esquerdista Gustavo Petro, 2022, marcou a maior inflação desde 1999, com mais de 12% no total do ano.
A maior exceção, avalia o pesquisador, é o México, onde o ex-presidente de esquerda Manuel López Obrador desfrutava de enorme popularidade e conseguiu emplacar a sucessora, Claudia Sheinbaum. Entre todas as eleições analisadas desde 2019, foi lá que a candidatura vencedora teve a maior diferença para a perdedora, com mais de 30 pontos de vantagem. A tendência mundial é oposta: eleições mais acirradas, com países divididos.