Segunda-feira, 28 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 6 de novembro de 2020
Única mulher a integrar o STM (Superior Tribunal Militar), a ministra Maria Elizabeth Rocha afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que a influenciadora digital Mariana Ferrer, de 23 anos, foi vítima de assédio moral e teve seus direitos violados durante o julgamento do caso em que acusa o empresário André Camargo Aranha de estuprá-la. “O processo de Mariana Ferrer estarrece!”, disse a magistrada.
Rocha é a primeira integrante mulher de tribunais superiores no Brasil a comentar o episódio e avaliou como equivocada a atuação do juiz e do promotor responsáveis pelo processo. A reportagem procurou também as duas ministras do Supremo Tribunal Federal (STF) e as seis do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas elas não comentaram o caso até a publicação desta notícia. Rosa Weber e Cármen Lúcia, as duas únicas “supremas”, nem sequer retornaram o contato da reportagem, feito por meio da assessoria da Corte.
Maria Elizabeth Rocha, do STM, disse ter lido a sentença e a denúncia feita por Mariana Ferrer contra o empresário. Ela também assistiu ao vídeo da audiência em que a jovem é humilhada pelo advogado Claudio Gastão Filho, que representa o acusado. Nas imagens da sessão, divulgadas pelo site The Intercept Brasil, o defensor diz a ela: “Jamais teria uma filha do teu nível e também peço a Deus que meu filho não encontre uma mulher que nem você”. A íntegra do vídeo mostra que Gastão Filho foi ríspido com Ferrer em outras ocasiões além das já divulgadas. O advogado a chama de “mentirosa” e diz que vai prosseguir sua fala “antes que comece a choradeira”.
“(São) Cenas dolorosas de assistir, que mesmo editadas, demonstraram uma equivocada condução do magistrado que não interveio com a presteza devida e uma flagrante violação aos direitos fundamentais de quem buscava proteção junto ao Poder Judiciário”, disse a ministra.
Na sessão, o advogado também exibiu fotos sensuais feitas pela jovem antes do episódio, sem qualquer relação com o suposto crime, e a chama de “mentirosa”. Apesar das intimidações e de apelos de Mariana para que fosse respeitada, o juiz não intercede. “Excelentíssimo, estou implorando por respeito, nem acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”, disse Ferrer se dirigindo ao juiz Rudson Marcos. Aranha foi inocentado pelo magistrado, que entendeu não haver provas suficientes para comprovar o crime de estupro.
“Causa espanto, também, a postura do Ministério Público que, reforçando regras comportamentais sexistas, em alegações finais pediu a absolvição do réu, desconsiderando os relatos da vítima, de sua mãe, do porteiro e do motorista do Uber; desconsiderando, inclusive, o laudo que atestou o rompimento do hímen com o material genético do estuprador. Tudo revelou-se insuficiente para uma condenação”, acrescentou a ministra do STM.
O advogado, na visão de Rocha, desestabilizou a acusadora de maneira covarde valendo-se do sigilo do caso. “Aproveitou-se da surdina, para despi-la de sua humanidade, a serviço não da Justiça, mas do modelo patriarcal, androcêntrico e misógino que trata as mulheres como coisas que podem ser violadas física, psicológica, moral, patrimonial e sexualmente. Não anteviu o ‘defensor’ o vazamento da sua crueldade e a indignação que ela causaria, inclusive entre seus pares”, afirmou a magistrada.
As condutas do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, e do promotor do caso, Thiago Carriço, do MP de Santa Catarina, serão alvos de investigação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), após representações feitas por conselheiros dos dois órgãos.
A ministra Maria Elizabeth Rocha afirmou também que o caso reforça a cultura do estupro. “Fica o gosto amargo de ver mulheres vitimizadas que ousaram não se calar virarem rés nos tribunais que descriminalizam condutas criminosas para silenciá-las na desonra. E a cultura do estupro velado e devastador se perpetua, revelando o caráter opressivo dos papéis sociais que objetificam e subjugam seres humanos, impedindo-os/as de viver uma vida digna e livre de violências.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.