A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou em petição ao STF (Supremo Tribunal Federal) não ter dúvida de que o atual ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes (PSDB-SP), recebeu R$ 500 mil da Odebrecht em um esquema para financiar a sua campanha eleitoral de 2010.
“É fato incontroverso que houve o repasse de recursos para a campanha do senador Aloysio Nunes. Resta investigar a origem destes recursos e a finalidade do repasse”, escreveu Raquel ao ministro relator do caso no STF, Gilmar Mendes, no último dia 24.
Não há registro na Justiça Eleitoral de doação oficial da Odebrecht para Aloysio na disputa ao Senado. O inquérito foi aberto em março a pedido do então procurador-geral Rodrigo Janot como desdobramento do acordo de delação. Dois delatores da empreiteira informaram à PGR sobre o pagamento a Aloysio.
Um deles disse que repassou os dados sobre Aloysio ao “departamento de propina” da empresa e fez duas entregas, de R$ 250 mil cada uma, para o “representante” do candidato em hotéis, não nominados, no segundo semestre de 2010. No sistema de acompanhamento dos pagamentos, Aloysio tinha o codinome “Manaus”.
Ao mesmo tempo em que apontou sua convicção sobre o repasse do dinheiro, Dodge sinalizou que tanto Aloysio quanto o senador José Serra (PSDB-SP) poderão se livrar de parte das investigações abertas. Os dois tucanos são investigados no mesmo inquérito. Sobre Serra, pesam afirmações de delatores sobre pagamentos ilegais em conexão com obras viárias no Estado de São Paulo.
Raquel afirmou que os crimes atribuídos a ambos e cometidos antes de 2010 não deverão ser mais objeto de investigação porque estariam prescritos – ou seja, o Estado não poderia mais buscar a punição dos supostos autores.
Segundo ela, o Código Penal “assegura aos senadores Serra e Aloysio prazo prescricional pela metade, pois eles têm idade de 75 e 72 anos, respectivamente”. Embora tenha feito a observação, Raquel não pediu o arquivamento das investigações. De acordo com os delatores da Odebrecht, de 2004 a 2006 houve pagamentos irregulares a campanhas de Serra de pelo menos R$ 9 milhões por meio de Paulo Vieira Souza, conhecido como “Paulo Preto”, então diretor da Dersa, estatal paulista do setor viário.
O cálculo da prescrição apresentado por Dodge, contudo, não atingiria outras partes da investigação, como pagamentos durante a campanha presidencial de Serra em 2010, incluindo 3,8 milhões de euros no exterior por meio de contas indicadas pelo ex-deputado federal Ronaldo Cézar Coelho, e repasses de R$ 4,6 milhões para a campanha à Prefeitura de São Paulo em 2012.
Na petição ao STF, a procuradora-geral menciona uma manifestação da defesa de Aloysio que ressaltou que dois dos delatores, em depoimentos que prestaram à Polícia Federal, “declararam que as doações para a campanha” do atual ministro “não foram condicionadas à prática de ato de ofício em favor da empreiteira”.
A existência de um “ato de ofício”, ou contrapartida, é considerada fundamental nas investigações para diferenciar corrupção (pagamento de propina em troca de vantagem para a empresa) de caixa dois (crime eleitoral). Ao pedir a continuidade das apurações, Raquel indicou que não está convicta sobre “a finalidade do repasse”. Os delatores que trataram do pagamento a Aloysio foram Carlos Armando Guedes Paschoal, conhecido como CAP, e seu superior hierárquico, Benedicto da Silva Júnior, o BJ.
Paschoal afirmou que, ao assumir a função em São Paulo, em 2008, foi informado por outro executivo “sobre um esquema de pagamentos de vantagem indevida combinado” com Paulo Preto. Ambos disseram, contudo, que os pagamentos a Aloysio não estavam ligados a esse esquema e que o senador não pediu uma “contrapartida”.
A defesa do ministro afirmou que “não houve recursos de forma ilícita para a campanha” em 2010. Segundo a defesa, a manifestação de Raquel “se baseia apenas no que dois delatores falam”, mas “não há nenhuma comprovação” do pagamento de R$ 500 mil.