Segunda-feira, 03 de março de 2025
Por Redação O Sul | 24 de outubro de 2017
Elogiada por integrantes do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) por sua postura diante da portaria do governo federal que mudou as regra de fiscalização do trabalho escravo, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, voltou a classificar nesta terça-feira (24) de “retrocesso” a medida. A chefe do Ministério Público ressaltou a conselheiros do CNMP que a portaria fere as garantias básicas de “dignidade humana”.
A portaria publicada no dia 16 deste mês pelo Ministério do Trabalho altera os conceitos que devem ser usados pelos fiscais para identificar um caso de trabalho forçado, degradante e em condição análoga à escravidão, além de exigir, por exemplo, que o fiscal apresente um boletim de ocorrência junto ao seu relatório.
O texto também determina que para caracterização do trabalho escravo seja constatada a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária.
A portaria dá ao ministro do Trabalho o poder de inclusão de empresas na chamada “lista suja”, que engloba aqueles que desrespeitam os direitos trabalhistas. A medida polêmica – que se tornou alvo de críticas de categorias ligadas ao Ministério do Trabalho, do Ministério Público e de personalidades como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – foi uma exigência da bancada ruralista da Câmara para assegurar mais de 200 votos dos deputados ligados ao agronegócio contra a denúncia que pode afastar o presidente Michel Temer do Palácio do Planalto.
Como não tem mais dinheiro para negociar, o governo optou por afrouxar em questões delicadas como a escravidão, ignorando as críticas internas e externas contra a medida. Em resposta às críticas, o governo diz que a nova norma “aprimora e dá segurança jurídica à atuação do Estado”.
Na semana passada, Raquel entregou em mãos ao ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, um ofício assinado por ela que reiterava pontos da recomendação do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Trabalho para que o governo revogasse a portaria. No encontro com o ministro do Trabalho, a procuradora-geral externou a Nogueira o motivo de o Ministério Público acreditar que a portaria leva o país para um “retrocesso” no que diz respeito à política de combate ao trabalho escravo.
Nesta terça-feira, na abertura da sessão quinzenal do Conselho Nacional do Ministério Público – órgão comandado por Raquel Dodge –, dois conselheiros pediram a palavra para elogiar a iniciativa da procuradora-geral de se posicionar sobre o tema polêmico. Ao responder aos comentários dos dois colegas, Raquel Dodge agradeceu aos elogios e reafirmou sua avaliação de que a decisão do governo Michel Temer é um “retrocesso” no combate ao trabalho escravo.
“Realmente, encaminhei ao ministro do Trabalho a recomendação conjunta assinada pelo Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho que assinava que a adoção deste conceito de trabalho escravo pela portaria do Ministério do Trabalho viola a lei penal brasileira”, destacou a chefe da Procuradoria Geral da República.
“Eu acrescentei em minha manifestação de encaminhamento um outro argumento que é o que me parece mais substantivo quando estamos falando de enfrentar o trabalho escravo no Brasil: o trabalho escravo fere, sobretudo, a dignidade humana, e não apenas a liberdade humana”, enfatizou.
“Ofensa” à Constituição
Em meio a sua fala na sessão do CNMP, Raquel Dodge afirmou que a portaria do Ministério do Trabalho, além de contrariar o Código Penal, também fere diretamente dois artigos da Constituição.
Ela ainda levantou indiretamente a possibilidade de ingressar no STF (Supremo Tribunal Federal) com uma ação questionando a constitucionalidade da portaria do Ministério do Trabalho. A procuradora observou que embora haja dúvidas sobre a viabilidade de questionar a constitucionalidade de portarias governamentais, uma decisão recente da Suprema Corte abriu precedente para entrar com esse tipo de ação.
Na última quinta-feira (19), o partido Rede Sustentabilidade pediu que o Supremo declare inconstitucional a portaria do governo Temer que mudou as regras para fiscalização do trabalho escravo. Na ação, a legenda oposicionista afirma que houve desvio de poder na edição da medida.