Mensagens, áudios, vídeos e depoimentos que integram a investigação da trama golpista são os elementos apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Polícia Federal para a conexão entre a tentativa de impedir a posse de Lula e os atos de 8 de janeiro. Ao acusar o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 33 pessoas pela tentativa de golpe de Estado, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, também concluiu que o ataque às sedes dos três Poderes foi o ato derradeiro de uma série de tentativas para a “ruptura institucional” e contou com o “fomento”, “facilitação” e “programação” de membros do alto escalão do governo e militares da ativa.
Ao todo, o jornal O Globo analisou mais de 2.500 páginas das denúncias da PGR, da representação final da Polícia Federal, do relatório da CPI do 8 de Janeiro e de três sindicâncias internas das Forças Armadas.
Ainda em novembro de 2022, logo após o segundo turno, militares da ativa se mobilizaram para discutir “preparativos” para uma ação que pudesse invalidar o resultado da eleição. Parte dessa movimentação foi descrita pelo tenente-coronel Guilherme Marques de Almeida em áudios obtidos pela PF.
“Algumas coisas já estão sendo feitas, né… Preparativos, não de operação nem nada, mas de estratégia comunicacional”, disse Almeida a um interlocutor.
Um dos denunciados pela PGR, ele comandou o 1º Batalhão de Operações Psicológicas, em Goiânia, até fevereiro de 2024, quando foi alvo de uma operação da PF e foi exonerado. A defesa não quis se pronunciar. Em nota, o Exército disse que não comenta “processos em andamento”.
Operações psicológicas, segundo o conceito do Exército, consistem em técnicas com o objetivo de manipular e induzir ações para atingir um objetivo específico, o que atualmente inclui o uso de redes sociais. Segundo a PF, Almeida agiu para “direcionar as manifestações” e criar um “ambiente propício a uma ruptura institucional”.
Em outros áudios captados pela PF, revelados pela TV Globo, o tenente-coronel conta que estava “participando” e “plantando” informações em grupos de WhatsApp de “civis” para levá-los a manifestações no Congresso.
“Não adianta protestar na frente do QG do Exército, tem que ir para o Congresso. E as Forças Armadas vão agir por iniciativa de algum Poder”, afirmou a um interlocutor.
Nas mensagens, o militar ressalta ainda a importância de “ocupar” o Congresso, “atropelar a grade e invadir”, pois, segundo ele, a Polícia Militar do Distrito Federal não teria como “segurar a massa humana”.
As ideias do ex-comandante do Batalhão de Operações Psicológicas encontraram eco no acampamento montado em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília. Um vídeo gravado em dezembro de 2022 mostra manifestantes discutindo sobre a “orientação” de supostos generais de se deslocar do QG à Praça dos Três Poderes para conseguir ações concretas.
Em seu acordo de delação premiada, o tenente-coronel Mauro Cid afirmou que havia integrantes das Forças Especiais, os kids pretos, misturados entre os participantes dos acampamentos. Os integrantes desse grupo são especializados em técnicas de infiltração, insurgência e contrarrevolução.
No fim de 2022, os participantes dos acampamentos começaram dar sinais de cansaço diante do que viam como uma “demora” das Forças Armadas em tomar uma atitude. A partir daí, segundo a PGR, o governo Bolsonaro passou a se articular para manter acesa a “esperança” de que algo poderia acontecer – uma espécie de “evento disparador”, como escreveu o general da reserva Mário Fernandes, então número dois da Secretaria-Geral da Presidência, em um documento encontrado pela PF. Para os investigadores, “tentou-se esse evento disparador no 8 de janeiro”.
A defesa de Fernandes diz que as mensagens são antigas e que a resposta será dada nos autos “tão logo tenha acesso integral ao celular e tudo o que foi apreendido pela Polícia Federal”.
Segundo a delação de Cid, partiu ainda de Bolsonaro a ordem para que o Exército não desmontasse os acampamentos e para que fosse elaborada uma carta assinada pelos comandantes das Forças que defendia o direito de livre manifestação e “condenava” as “restrições a direitos”. De acordo com a denúncia da PGR, Bolsonaro determinou que a nota fosse publicada em 11 de novembro de 2022, consciente de que o documento “encorajaria os manifestantes” e seria visto como um sinal de “aquiescência das Forças Armadas aos acampamentos”.
“Percebe-se que no dia 11 de novembro de 2022, já havia a intenção de que as manifestações fossem direcionadas fisicamente contra o STF e o Congresso Nacional, fato que efetivamente ocorreu no dia 08 de janeiro de 2023. As ações desenvolvidas pelo grupo investigado eram coordenadas”, concluiu a Polícia Federal.
A coordenação do governo foi percebida pela PF em uma mensagem enviada pelo tenente-coronel da ativa Rafael Martins Oliveira a Mauro Cid. Ele pergunta ao então ajudante de ordens de Bolsonaro qual é a “orientação correta” para a manifestação. “A pedida é ir para o CN (Congresso Nacional) e STF? As FFAA (Forças Armadas) vão garantir a permanência lá? Perguntas recebidas”.
Cid, então, responde: “Vão”, ao que o outro militar responde: “Show”. Um dos kids pretos que costumavam aparecer no acampamento golpista, o tenente-coronel conhecido como Joe consta na lista de denunciados da PGR e está preso preventivamente. Junto com outro tenente-coronel e um capitão da ativa, ambos kids pretos, Oliveira foi acusado de participar de “atos de monitoramento” na casa do ministro do Supremo, em Brasília. Procurada, a defesa não se pronunciou. As informações são do jornal O Globo.