Domingo, 29 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 10 de julho de 2022
Uma família de três pessoas – esperando um bebê –, uma mulher de mais de 60 anos, um jovem e seu animal de estimação e uma jovem publicitária. Em comum, esses profissionais decidiram adotar um estilo de vida diferente, em que podem trabalhar de qualquer lugar do mundo. São os chamados nômades digitais.
Este modelo de trabalho, com maior flexibilização, conhecido como nomadismo digital, permite que as pessoas possam trabalhar de forma remota, com a utilização da tecnologia e da internet, enquanto viajam. No mundo, cerca de 35 milhões de pessoas adotam esse modelo, de acordo com Relatório Global de Tendências Migratórias 2022 da Fragomen. Até 2035, a estimativa é que 1 bilhão de pessoas vão adotar este estilo de vida.
O fenômeno foi potencializado pela modalidade do trabalho remoto e “veio para ficar”, afirma Edna Rodrigues Bedani, professora de Liderança, Planejamento Pessoal e Autodesenvolvimento na ESPM. “O profissional realiza suas atividades independente da localização e tem responsabilidade pelos resultados e gestão de seus horários”, destaca.
A jovem publicitária Sophia Costa, de 27 anos, pratica o nomadismo há algum tempo. Em 2016, ao terminar a graduação na área de Comunicação Social, recebeu o convite para expor seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Berlim, na Alemanha. Por meio de uma vaquinha online, feita por colegas e familiares, Sophia conseguiu o dinheiro para fazer o passaporte e comprar as passagens para a sua primeira viagem internacional. “Eu descobri a minha melhor versão ali naqueles dias viajando. Fui para a Alemanha e para a Espanha, e me virei muito bem.”
Ela não parou por aí. Empregada em um agência de publicidade no Brasil, viajou para outros países e, em 2018, traçou um novo destino: um mês de voluntariado em Moçambique. Nessa viagem, conseguiu um trabalho remoto na área de Business Intelligence e continuou viajando pela África por dois meses. Para a jovem, este foi o momento em que ela percebeu que queria trabalhar enquanto viajava e logo foi fazer um mestrado na Argentina.
Em 2020, passou o primeiro ano da pandemia na Tailândia, mostrando o contexto da crise sanitária na região e também o cotidiano como nômade digital. Quando chegou ao país asiático tinha 4 mil seguidores. Hoje são cerca de 56 mil. Atualmente ela trabalha com a produção de conteúdos e cursos em suas redes sociais. “É uma rotina normal, todo dia eu vou ter de trabalhar.”
É o que conta também Clara Magalhães, de 25 anos, que ensina 340 alunos por celular todos os dias. Natural de Goiânia, ela decidiu começar a viajar com seu marido, Bruno Alves, de 42 anos, e seu filho, Bernardo Magalhães, de 7 anos, em 2019.
Com uma barraca automotiva em uma caminhonete, venderam o apartamento e partiram do litoral do nordeste brasileiro para a cidade mais ao sul do mundo, Ushuaia, na Argentina. Depois de muita chuva, frio e da vontade de desistir, a família chegou à região e foi recebida com neve.
Com uma criança pequena, no entanto, era preciso planejamento financeiro e educacional. O casal calculou uma média mensal de gastos (camping, combustível e mercado) e uma reserva de emergência.
Sobre a escola de Bernardo, Clara, assumiu a educação do filho no primeiro ano. Além das matérias tradicionais, levou o filho para museus de ciências, de artes e projetos ambientais no Brasil. Durante os dois primeiros anos da pandemia, o casal resolveu se isolar e esperar para voltar às viagens. Agora, com o filho matriculado em uma escola americana que permite o homeschooling, estão viajando em um motorhome – uma casa sobre rodas – para o Uruguai, Argentina e Paraguai, para voltarem ao Brasil em outubro, quando Cauê for nascer – Clara está grávida de cinco meses.
Companhia canina
O planejamento detalhista também faz parte das viagens de Giordano Migliorini Estevão, de 25 anos. O jovem desenvolvedor, que nasceu em Brasília, não viaja sozinho: ele vai acompanhado de Celina, uma cachorra da raça Samoieda, de porte médio de apenas um ano de idade. Portanto, além das despesas pessoais, as planilhas de Estevão também incluem os gastos de Celina, o que deixa o orçamento mais caro.
Ele explica ainda que tem uma mala para a Celina, com brinquedos para distraí-la, atestado de saúde – renovado a cada duas semanas com a ida ao veterinário – vonau, escova e cinto coleira especial para o carro. Além disso, há sempre alguns cuidados que precisa tomar, como avisar o local onde vai se hospedar sobre o porte do animal.
“Se conhecer é importante nesse processo. É preciso sair da zona de conforto e saber lidar com situações imprevisíveis. Isso exige uma energia mental grande para dar a resposta adequada. É uma rápida adaptação e flexibilidade”, destaca Vanessa Cepellos, professora de Gestão de Pessoas da FGV-EAESP.
Nunca é tarde
Para a professora de Educação Física, Marisa Porto, a busca pela liberdade motivou o nomadismo digital. Foi aos 60 anos que ela viu a oportunidade de conhecer novos lugares dando aula online de feng shui terapêutico. Durante algum tempo fez isso morando no Rio de Janeiro, mas começou a ter muitos convites de alunas do Pais inteiro para visitar suas cidades.
Em 2017, desenvolveu um roteiro em cidades onde tinha alunas e clientes, agendou aulas e cursos e durante sete meses viajou pelo Brasil. “Minha temporada de 2017 foi barata, me hospedei somente duas noites em hotéis, trocando o pagamento da estadia pela realização de palestras. Todas as outras noites desses sete meses dormi na casa de clientes e familiares”, destaca Marisa, que diz gastar menos viajando do que quando está em sua casa.
Em 2018 e 2019, ao aumentar sua rede de alunas e clientes, viajou pelo Brasil e também pela Europa. Marisa afirma que ter uma rede de segurança e não viajar para locais onde não conhece são pontos importantes do seu planejamento.
“Sempre tento facilitar minha vida. Talvez essa seja uma característica da idade. Vou para países que já conheço. Seria bem mais complicado ir para um país que eu não falo a língua e que não tem ninguém que eu conheça. Não quero ter mais problemas”, enfatiza.
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