No início de seu primeiro mandato como presidente, em 2003, Lula (PT) lançou o Programa de Aquisição de Alimentos, que consiste na compra de alimentos orgânicos de pequenos produtores e doação desse volume para pessoas em situação de vulnerabilidade social, merendas de creches e escolas, hospitais e programas assistenciais.
Até este ano era chamado de Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA. Em 2021, Bolsonaro trocou o nome para Alimenta Brasil, sem alterar as regras básicas. No auge, o projeto comprou e doou em um ano mais de 500 mil toneladas de comida da agricultura familiar.
Nos últimos anos, enquanto o país voltava ao Mapa da Fome da ONU, a ação foi esvaziada. Desde 2016, entre os governos Dilma Roussef, Michel Temer e Bolsonaro, o volume doado não passa de 200 mil toneladas. Comparando 2011 com 2021, a queda é de 76%: 491.260 toneladas contra 114.043 no ano passado.
A marca de 2021 é a quarta pior da série histórica (veja abaixo). Em 2022, até junho, quando 33 milhões de pessoas passavam fome no Brasil, somente 11.460 toneladas foram doadas.
Os dados são do Ministério da Cidadania e foram obtidos via Lei de Acesso à Informação.
A queda das doações se reflete no orçamento e na execução do programa. O valor pago pelo ministério a agricultores caiu 57% no mesmo período de dez anos, de acordo com dados do Ministério da Cidadania. A quantidade de agricultores beneficiados reduziu 67%.
Uma nota técnica da pasta, de 23 agosto deste ano, ajuda a dimensionar encolhimento do programa. Na data do documento, de 1.155 municípios que tinham aderido, apenas 254 conseguiam executar as compras, por falta de recursos do governo federal.
Em julho deste ano, a promulgação de uma emenda constitucional com uma série de benefícios às vésperas das eleições aportou R$ 500 milhões a mais ao orçamento do Alimenta Brasil.
Até outubro deste ano, R$ 240,8 milhões foram empenhados (comprometidos para pagamento), de um orçamento total de R$ 679,5 milhões.
No entanto, a situação pode voltar a piorar, caso o Congresso e o governo eleito de Lula (PT) mantenham o orçamento proposto por Bolsonaro para 2023: R$ 2,6 milhões.
Com o recurso previsto, o projeto pode deixar de existir na prática. “Esse orçamento e nada é a mesma coisa. Simples assim”, explica Sílvio Porto, ex-diretor da Conab e professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
Origem do programa
Quando foi lançado, em 2003, o PAA era um dos projetos estruturantes do Fome Zero. Como agora, o Brasil penava para sair do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU). O país voltou a essa posição em 2018, quatro anos depois de sair pela primeira vez.
As doações cresceram ano a ano, à medida em que a gravidade da fome diminuía. O auge chegou no começo da década seguinte, em termos de orçamento e alimentos produzidos.
“O programa teria que ter crescido mais, certamente ele ainda não havia chegado ao patamar ideal, mas pelo menos ele já tinha ultrapassado o patamar de bilhão de reais [de orçamento], como foi o caso de 2012”, diz Porto.
“Junto com a transferência de renda, [a doação de alimentos] é a forma mais direta que tem para minimizar a situação de parte dessa população, de 33 milhões de pessoas nessa condição de fome.”
Falta de prioridade
Os entrevistados são unânimes em apontar que o estado atual do programa é fruto da falta de prioridade das gestões do governo federal, desde o segundo governo Dilma até Bolsonaro.
“Não é falta de recurso, é falta de priorização. O PAA, no auge, chegou a R$ 1 bilhão. Isso não é nada dentro do orçamento público”, pontua Paulo Petersen.
A pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Regina Sambuichi ressalta que o país já reduziu o problema da fome no passado e “conhece o caminho das pedras” para voltar a fazê-lo
“Já temos uma Política Nacional de Segurança Alimentar de Nutricional (PNSAN) bem concebida e estruturada e que já se mostrou bastante efetiva, da qual o PAA fez parte juntamente com um conjunto de outras ações. O que falta é reativar esta política e todo o conjunto de ações relacionado a ela”.