Quinta-feira, 31 de outubro de 2024
Por Redação O Sul | 31 de outubro de 2024
A aprovação ontem do projeto que bane celulares nas escolas na Comissão de Educação da Câmara marcou uma concordância rara no quadro político polarizado no Brasil. Deputados de direita, como Nikolas Ferreira (PL-MG), e de esquerda, como Tarcísio Motta (PSOL-RJ), apoiaram o texto apresentado em 2015 que teve a tramitação acelerada depois de o ministro da Educação, Camilo Santana, defender a ideia.
Segundo o projeto, fica proibido o uso de aparelhos eletrônicos portáteis na aula, no recreio e nos intervalos entre as aulas para todas as etapas da educação básica. As regras valem para escolas públicas e privadas.
“Talvez seja o projeto de lei mais importante a ser votado na Comissão de Educação neste ano, fruto do trabalho coletivo”, afirmou o relator da proposta, Diego Garcia (Republicanos-PR).
Garcia é alinhado ao bolsonarismo, mas teve seu trabalho elogiado por Tarcísio durante os debates da matéria. “Quero parabenizar o autor do projeto e o relator. O celular é um problema pedagógico real”, afirmou Mota.
Presidente da Comissão de Educação, Nikolas colocou o projeto como prioridade da pauta e acelerou os ritos para a aprovação. Logo depois de Camilo defender a medida, em setembro, o deputado mineiro pôs o tema para discussão na reunião seguinte da comissão, retomando o projeto que estava esquecido. Na época, ele afirmou que gostaria de já votar o projeto, mas a Câmara estava esvaziada por causa das eleições municipais. Ontem, na volta dos trabalhos da comissão, o projeto retornou à pauta e foi votado em poucos minutos.
A concordância entre parlamentares de lados diferentes no espectro político reflete o apoio à proibição por oito a cada dez brasileiros, para quem menores só deveriam ter celulares a partir dos 13 anos, segundo uma pesquisa do Instituto Locomotiva e QuestionPro.
Na avaliação de Fabio Campos, pesquisador do Laboratório de Aprendizagens Transformadoras com Tecnologia da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, a lei acerta ao banir o uso para todas as idades. A única mudança que Campos defende é a inclusão de um artigo que prevê formação de professores para o desenvolvimento de uso de tecnologia para o ensino.
“Se a lei não determinar que estados e municípios precisam fazer isso, a lei é só um passo atrás para a aprendizagem mediada por tecnologia”, justifica.
De acordo com o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês) de 2022, 45% dos estudantes brasileiros relataram que se distraem ao utilizar aparelhos eletrônicos em todas ou na maioria das aulas de Matemática. O percentual está 15 pontos acima da média observada nas nações da OCDE.
Restrições similares também já foram adotadas por países como França, Espanha, Finlândia, Itália, Holanda, Canadá, Suíça, Portugal e México. O movimento global é potencializado por um relatório da Unesco que pediu, em junho, a proibição dos celulares nas escolas.
Cenário de descontrole
O banimento pode encontrar dificuldades de implementação. Experiências em estados e municípios mostram que só a lei não basta e é preciso o envolvimento ativo das secretarias de Educação e de trabalhos pedagógicos. Atualmente, 20 estados têm leis similares, mas apenas 12% de suas escolas declararam adotar a medida de fato, de acordo com a pesquisa TIC Educação 2023 do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
Nos estados, as leis de proibições em sala de aula já existem desde 2004. Na maior parte, porém, as regras foram aprovadas entre 2008 e 2009 ou entre 2014 e 2016. Alguns dos textos são tão antigos que chegam a citar tecnologias já defasadas e praticamente sem uso, como aparelhos de MP3, que reproduzem músicas digitais, e pagers.
A importância do celular e da internet no cotidiano das crianças, com a anuência dos pais, é um possível obstáculo, apesar do apoio popular à proibição do telefone nas escolas. Uma pesquisa do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) apontou que a maior parte dos pais (77%) acredita que seus filhos estão seguros na internet. O levantamento também mostra que metade das crianças de 9 a 10 anos tem uso sem supervisão de seus responsáveis para vídeos e jogos.