Autor do projeto que busca reduzir o tempo de inelegibilidade de políticos condenados pela Justiça, o deputado federal Bibo Nunes (PL-RS) não hesitou em exibir a natureza sabuja de suas intenções.
Em suas redes sociais, o deputado postou foto em que aparece reunido com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e explicitou o tema da conversa: oito anos de inelegibilidade, exigência atual da lei, “é tempo que permite muita injustiça”, segundo palavras do parlamentar. A imagem, contudo, é tão explícita quanto a legenda da foto, pois nela fica evidente o servilismo a que Bibo Nunes se submete – um deputado do baixo clero com posição à mesa de quem presta contas ao cardeal, decerto reafirmando ao chefe a necessidade de alteração da lei para reduzir sua inelegibilidade de oito para dois anos e, assim, garantir que o ex-presidente dispute a eleição em 2026.
O encontro foi só mais um adorno a uma já intensa festa de articulações e declarações em prol do retorno de Bolsonaro às urnas. Dois dias antes do convescote do ex-presidente com o autor do projeto que pode beneficiá-lo, foi o próprio Hugo Motta (Republicanos-PB), recém-empossado presidente da Câmara, quem declarou: “Oito anos são quatro eleições, é um tempo extenso na minha avaliação”. Abriu, assim, a porta do Congresso para discutir uma providencial mudança na Lei da Ficha Limpa. Ressalve-se que o projeto em questão dá nova redação a um dispositivo da Lei das Inelegibilidades, que, por sua vez, foi alterada pela Lei da Ficha Limpa. Logo, na prática, o projeto incide também sobre a Ficha Limpa.
Bolsonaro está inelegível até 2030, condenado por abuso de poder político e econômico e uso indevido dos meios de comunicação. Agora, sua inelegibilidade corre o risco de ir às calendas, a prevalecer a desfaçatez, pelo casuísmo explícito de bolsonaristas. Indiciado pela Polícia Federal pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa, o ex-presidente pode ficar inelegível por muito mais tempo caso seja processado e condenado – além da pena de prisão cominada àqueles delitos. Ademais, a constitucionalidade de uma eventual alteração pelo Congresso deverá ser avaliada pelo Supremo Tribunal Federal. São fatores que tornam complexo o destino político de Bolsonaro.
Pelo sim, pelo não, seus aliados trabalham como podem para salvá-lo. Sabem que, na pior das hipóteses, podem instaurar fatores de instabilidade que beneficiem Bolsonaro, repetindo o exemplo dos rábulas petistas que, em 2018, tentaram, até o limite, embaralhar a interpretação da legislação com chicanas que assegurariam a permanência de Lula da Silva na disputa daquele ano. A lógica é a mesma: arrastar as indefinições, garantir a presença do ex-presidente nas urnas e, se ele for vitorioso, emparedar a Justiça Eleitoral. A marotagem petista não funcionou à época. Espera-se que a reedição bolsonarista também não. (Opinião/Estadão Conteúdo)