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Por Redação O Sul | 26 de outubro de 2020
Na hora de prestar vestibular, Cristiana Toscano não tinha certeza nenhuma de que a medicina era a melhor escolha de carreira. Durante os três primeiros anos de curso na Universidade de São Paulo, novas incertezas apareceram e jogaram mais dúvidas sobre sua escolha.
“Eu pensava: isso não é para mim. Até que, no quarto ano, tive a oportunidade de fazer um estágio de quatro meses em capacitação e promoção da saúde de populações ribeirinhas da Amazônia”, conta. A saúde pública foi amor à primeira vista.
Outro evento que moldou a trajetória de Cristiana ocorreu no quinto ano de faculdade.
“Eu tranquei minha matrícula e fui fazer um estágio na Organização Mundial da Saúde (OMS). Foi lá que descobri o interesse pela epidemiologia, uma abordagem que estava em pleno crescimento”, conta.
De volta ao Brasil, ela resolveu fazer residência em infectologia.
Atualmente, Toscano é professora da Universidade Federal de Goiás e representa a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) no Estado. Além disso, a especialista atua como a única brasileira e latino-americana no Grupo Conselheiro Estratégico em Imunização de covid-19 da OMS.
Abaixo, trechos de entrevista com Cristiana.
1) Recentemente o governador de São Paulo, João Doria, disse que a CoronaVac, vacina produzida pela empresa chinesa Sinovac e pelo Instituto Butantan, começaria a ser aplicada na população a partir de dezembro de 2020. O estudo, porém, só está marcado para terminar em outubro de 2021. Como lidar com esse descompasso de datas?
Há duas coisas importantes aí. Em primeiro lugar, temos a fase de regulação, que no Brasil é feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa. Em alguns casos, existe a possibilidade de se fazer um registro emergencial. Isso só é possível com uma avaliação preliminar dos estudos.
Existe uma definição de que a vacina contra a covid-19 precisa ter pelo menos 50% de eficácia e, claro, ter segurança do ponto de vista dos eventos adversos. Esse registro preliminar está previsto e é importante em alguns momentos.
Mas essa liberação tem uma duração limitada. Por definição, as vacinas precisam ser avaliadas durante pelo menos 12 meses. Isso é importante porque precisamos saber quanto tempo dura a proteção após a aplicação das doses.
Nessa avaliação preliminar dos estudos, sempre comparamos dois grupos de voluntários. Um que recebeu a vacina e outro que não recebeu. Eles então são expostos ao vírus no ambiente e, ao final de um período determinado, será possível ver quem teve a doença ou não. A partir daí, é possível fazer os cálculos da taxa de eficácia da vacina.
O problema é que essa avaliação inicial não nos diz quanto tempo vai durar essa proteção. A avaliação definitiva, portanto, só é possível após 12 ou 18 meses da aplicação das doses.
Há algumas semanas estive num debate com o imunologista Jorge Kalil, que inclusive coordena um grupo de cientistas que está desenvolvendo um imunizante brasileiro contra a covid-19. Ele disse uma coisa que resolvi parafrasear. Quando ouvimos que a vacina vai sair em dezembro ou janeiro, precisamos saber quem disse isso. Foi um político ou um cientista?
Se tudo der certo, as primeiras avaliações preliminares das vacinas vão começar em dezembro. A Anvisa vai levar pelo menos um mês para analisar os pedidos de registro. Depois disso, você tem todo o controle de qualidade, que é feito obrigatoriamente em cada lote. Na sequência, há o processo de distribuição para as dezenas de milhares de postos de saúde do Brasil. Isso tudo não acontece do dia para a noite. Sendo realista, a vacinação não vai acontecer em dezembro ou janeiro.
2) Como você avalia a atuação do Brasil nas pesquisas de uma vacina contra a covid-19?
O Brasil tem atualmente quatro grupos de cientistas que estão trabalhando com candidatas à vacina em estágio pré-clínico. São soluções 100% nacionais, produzidas em nossas bancadas de laboratório. Apesar das limitações, nós conseguimos trabalhar e ter um corpo de pesquisadores que produz muito quando comparados com outras nações que possuem um financiamento científico semelhante.
Um aprendizado dessa pandemia é que precisamos pensar, enquanto nação, em mecanismos mais eficientes e sustentáveis para o investimento em ciência e tecnologia. Além disso, como podemos estruturar a saúde pública para o desenvolvimento de inovações e para o enfrentamento das pandemias do futuro? Nós temos muitos grupos de pesquisa, mas poderíamos fazer mais.