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Por Redação O Sul | 18 de outubro de 2021
No fim de setembro, Irmgard Furchner, de 96 anos, deixou o asilo em que vive em Quickborn, no Norte da Alemanha, e tomou um táxi até a estação de trem mais próxima. Parecia mais uma idosa da cidadezinha de 20 mil habitantes, e ninguém percebeu que tentava fugir do julgamento no qual é acusada de contribuir para os horrores do nazismo — até ser presa, poucas horas depois, em Hamburgo, a menos de 30 quilômetros.
Como Furchner, outros nonagenários, e até um homem de 100 anos, ex-funcionários de campos de concentração e extermínio nazistas durante a Segunda Guerra, foram investigados, julgados e eventualmente condenados pela Justiça alemã nos últimos dez anos. Apesar da demora — e mesmo que representem pouco ante os milhares de funcionários do nazismo que escaparam de prestar contas à Justiça — os promotores hoje tentam puni-los antes que morram.
“Temos atualmente seis casos contra ex-guardas de campos de concentração em trâmite no Ministério Público e outros poucos casos sob investigação, em que buscamos colher as provas para abastecer os promotores”, disse Thomas Will, promotor e chefe do escritório do governo alemão encarregado de investigar os crimes da era nazista, em Ludwigsburg.
Aos 18, Furchner trabalhava como datilógrafa no escritório do comandante do campo de concentração de Stutthof, na Polônia, onde 65 mil civis foram assassinados durante o Holocausto.
Segundo os promotores, ela “ajudou e encorajou” 11.412 mortes entre 1943 e 1945, além de ser apontada como cúmplice em outras 18. Será uma das últimas integrantes vivas do regime nazista a ser levada à Justiça.
Reviravolta jurídica
Tanto tempo longe das garras da lei, para esses réus, só foi possível por causa de reviravoltas jurídicas e do surgimento, ao longo dos anos, de novas jurisprudências para crimes de guerra na Justiça alemã.
Depois dos julgamentos de Nuremberg, que condenaram 24 figurões nazistas à morte logo após o fim da guerra, os julgamentos de Frankfurt levaram ao banco dos réus, entre 1963 e 1965, altos oficiais da Gestapo, o serviço secreto nazista, e da Schutzstaffel (SS), a milícia oficial nazista — mas também um dentista que trabalhou no campo de concentração de Auschwitz.
Ao absolvê-lo, o tribunal lançou um precedente: ficou acertado que não bastava ser membro do quadro de funcionários para ser considerado culpado. Era preciso identificar o vínculo exato do réu com o crime.
“Nos anos 1960 e 1970, os tribunais e o Ministério público alemães processaram principalmente membros do alto escalão, que ocupavam posições de comando. Eram pessoas que tinham praticado crimes concretos, com data e nome das vítimas. Os procuradores, por praxe, não processavam quem só seguia ordens, como os guardas de campos. O Judiciário entendia que essas pessoas não tinham como dizer ‘não'”, diz Will.
Com o fim da prescrição para os crimes do nazismo aprovado pelo Parlamento alemão em 1979, foi dada a senha para que nazistas de baixo escalão fossem processados, e organizações do mundo inteiro, muitas das quais apoiadas por Israel, encontraram e levaram à Justiça ex-integrantes do Terceiro Reich. Em 2011, encontraram John Demjanjuk.