Sexta-feira, 10 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 27 de junho de 2024
Um aumento dos limites de jornada de trabalho de tripulantes, pilotos e comissários que está em análise pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) coloca em campos opostos trabalhadores e companhias aéreas.
As empresas defendem a revisão proposta pelo órgão regulador sob o argumento de que a medida é importante para alinhar o País às práticas internacionais e estimular a competitividade do transporte aéreo no Brasil, mas sindicatos da categoria resistem. Alegam que a segurança de voo pode ser afetada caso a carga de trabalho desses profissionais aumente.
Atualmente, a jornada máxima nos voos domésticos e internacionais de curta distância é de 12 horas, podendo chegar a 13 horas em acordos com sindicatos. A Anac propõe ampliar esse limite para 14 horas. Nos voos internacionais, o limite hoje pode chegar a 16 horas e meia, e o órgão regulador prevê acrescentar mais 30 minutos, chegando a 17.
Pela lei atual, a cada jornada de 12 horas no mercado doméstico, os tripulantes precisam descansar por igual período e o dobro do tempo que exceder as 12 horas.
O texto da proposta, contudo, não altera a jornada máxima mensal da categoria, de 176 horas, e os dez dias de folga por mês que eles têm direito, conforme prevê a legislação.
“Para qualquer trabalhador, jornadas de doze horas são consideradas cansativas, algo que já acontece na aviação com certa naturalidade”, disse Henrique Hacklaender, diretor presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA).
A entidade pretende mobilizar caravanas de trabalhadores em direção a Brasília para protestar contra a proposta, que será tema de uma audiência pública promovida pela Anac nesta sexta-feira (28). Uma consulta pública aberta pelo órgão para discutir o texto ficará aberta até agosto. Na contramão, entre as medidas defendidas pelos profissionais da aviação está o aumento no período de descanso entre jornadas.
Uma das justificativas da Anac, apoiada pelas empresas, para revisar o regulamento é que as normas brasileiras estão entre as mais rígidas do mundo, o que impede as companhias nacionais de voarem para destinos mais longos como Dubai (Emirados Árabes Unidos), Doha (Catar) e Melbourne (Austrália), por exemplo. São trajetos que podem durar mais de 17 horas.
Para chegar a esses destinos mais distantes, as áreas nacionais teriam de fazer múltiplas paradas pelo caminho para trocar a tripulação e não descumprir a legislação brasileira do setor, o que inviabilizaria a operação, argumentam técnicos da Anac. Eles avaliam que a mudança pode gerar mais oportunidades de emprego para tripulantes brasileiros, além de acabar com o que consideram distorções no mercado.
Um dos exemplos citados por um técnico do órgão é o caso da Latam, que hoje leva passageiros brasileiros para o Chile para, de lá, voarem até a Austrália pela rota do Pacífico com uma tripulação toda chilena.
A proposta do órgão regulador cita ainda um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que aponta grande diferenciação das normas brasileiras para tripulantes em relação as regras vigentes em outros países para voos comerciais. A ideia seria equiparar as normas brasileiras às vigentes nos Estados Unidos, onde a carga horária dos tripulantes pode chegar a 17 horas.
Em outros países da América do Sul, segundo o levantamento da agência, o limite é ainda maior: 20 horas no Chile e 22 na Argentina, por exemplo. Mas, nos países da União Europeia, esse limite é mais baixo: 13 horas.
O plano da Anac é aprovar a resolução definitiva no fim deste ano para entrar em vigor em meados de 2025. “Por mais que a regulação autorize, a concretização de jornadas maiores dependerá de negociações e contrapartidas que tendem a ser mais eficientes quando acordadas diretamente entre as partes envolvidas”, afirma a Anac, em nota.
A Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear) apoia a proposta da Anac. Em um comunicado, avalia que a medida alinha as normas brasileiras às “melhores práticas internacionais reconhecidas e consagradas”. A entidade destaca ainda que as companhias já adotam gerenciamento rigoroso de fadiga dos tripulantes.
O especialista em Direito Aeronáutico, André Dias, avalia que a iniciativa da Anac de aproximar as regras brasileiras para tripulantes das praticadas em outros países é positiva. Ele alerta, contudo, que o aumento da jornada não pode representar risco à segurança de voo e nem resultar em precarização das profissões.
“São necessárias medidas que possibilitem o repouso digno da tripulação entre uma jornada e outra de trabalho. Um dos pontos a ser discutido é o começo da jornada de trabalho do tripulante nos voos domésticos. O tempo de deslocamento pode variar entre 45 minutos a duas horas dependendo da localização do aeroporto”, afirmou.
Segundo ele, o ideal é que a jornada comece na apresentação no hotel e que o horário de repouso comece a partir da chegada de volta ao alojamento no destino, após o fim do voo.