Quarta-feira, 15 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 15 de junho de 2015
Nos primeiros 15 segundos, não há nada que chame atenção no anúncio que foi veiculado pelo Boticário para o Dia dos Namorados. Seria banal, se não fosse pelo desfecho: casais do mesmo sexo se presenteando e se abraçando. Os protagonistas não trocam nada além de um abraço morno, mas esse gesto foi suficiente para revoltar religiosos radicais, que começaram a fazer campanha contra a marca.
O “bafafá” em torno do comercial colocou em evidência dois traços da publicidade brasileira: o primeiro é que ela engatinha quando se trata de retratar temas tabus, como a homossexualidade. O segundo é que, lentamente, as empresas estão se tornando mais dispostas a assumir posição em um assunto que ainda divide o País.
Uma enquete promovida pela Câmara dos Deputados na discussão do projeto do Estatuto das Famílias revela o tamanho do vespeiro. A pergunta sobre o que é considerado “família” já foi respondida 7 milhões de vezes. Para 50,37% dos entrevistados, família deve ser considerada apenas homem e mulher. Outros 49,32% consideram que o conceito é plural, abrangendo casais homoafetivos. Mesmo com essa divisão, algumas empresas estão escolhendo “meter a colher” na briga em favor da diversidade.
“A publicidade está inserida na sociedade brasileira e reflete certo conservadorismo existente. Mas isso está mudando, uma empresa puxa a outra”, afirma Luiz Cavalheiros, professor de criação publicitária.
Uma das pioneiras a demonstrar apoio explícito à comunidade LGBT foi a construtora Tecnisa, que começou a publicar anúncios voltados para este público em 2003. Naquela época, ela era uma voz solitária, fato que está mudando hoje. Somente neste ano, a Gol, a Mondelez (fabricante do Sonho de Valsa), o Boticário e a Motorola divulgaram peças com referências ao universo LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros).
Segundo o professor de comunicação Carlos Mendonça, ainda é cedo para dizer que há uma mudança sedimentada na postura das empresas, mas ele diz que a decisão de anunciar mostra que a sociedade está mais aberta ao assunto. “Quando a publicidade aborda a questão da igualdade, é porque já há um repertório constituído na sociedade”, explica. Constituído, mas nem tanto.
Para Fernand Alphen, da área de pesquisas da agência J. Walter Thompson no Brasil, não há motivos para censura. “O comercial que, com singela naturalidade, retratou os mais variados casais, seria considerado careta em culturas mais progressistas.”
Conservadorismo é menor no exterior.
Em relação aos mercados europeu e americano, as empresas brasileiras ainda são conservadoras ao lidar com o público LGBT. No exterior, há marcas que possuem relacionamentos estreitos com a comunidade LGBT, como a Absolut, Google, Microsoft e Starbucks. Recentemente, a tradicional joalheria Tiffany & Co também entrou para a lista ao publicar um anúncio de alianças protagonizado por dois homens.
Nos Estados Unidos, algumas empresas decidiram avançar ainda mais no tema, fazendo polpudas doações para entidades de apoio à comunidade LGBT, como a Amazon. Em 2012, seu fundador, Jeff Bezos, doou 2,5 milhões de dólares para uma campanha em favor do casamento gay. Em fevereiro deste ano, 379 corporações americanas enviaram um pedido à Justiça americana para que o casamento entre pessoas do mesmo sexo fosse liberado em todo o país.
Na Europa, é impossível não lembrar da italiana Benetton, que fez história na publicidade ao celebrar a diversidade de raças, culturas e orientações sexuais. Em 2011, a marca causou frisson com a campanha “unhate”, que mostrava uma montagem com líderes de Estado se beijando na boca. (Luisa Brasil/AD)