Não importa o campo político dos atores, da esquerda ou da direita, no Brasil se põe toda a fé na mudança da lei, na esperança de que ela tenha o poder mágico de solucionar os males que nos afetam. Diante de um fato de repercussão na opinião pública, imediatamente pululam proposições, ainda no calor dos acontecimentos: eis aí uma fonte permanente de ideias precipitadas, soluções simples porém erradas.
O mais comum desse viés ilusório se encontra em matéria penal, para configurar um novo tipo de crime ou (geralmente) para aumentar as penas de crimes já configurados – a dose das penas inibiria o crime.
O que inibe o crime não é a dose das penas. Se houver boas chances de escapar da autoria, de absolvição, de reduzir substancialmente as penas, o elemento se dispõe a correr os riscos da empreitada criminosa. Dito de outro modo, não faz muita diferença o tamanho das penas, mas a possibilidade de escapar delas ou reduzir os danos.
Olhem o caso presente, em que a proposta do governo é elevar a 40 anos a pena de cadeia para quem atentar contra a vida de certas autoridades. Se o sujeito toma uma arma e planeja matar o, digamos, presidente da República, está tomado por um grau de loucura e fanatismo em que nada o deterá.
Em matéria de legislação todas as correntes políticas são punitivistas. Lembram das “10 Medidas contra a Corrupção”, de Deltan Dallagnol, Moro e da Lava Jato? Um conjunto de propostas de novos tipos penais e de aumento draconiano das penas de crimes ligados à corrupção. Era o punitivismo da Direita.
Uma nova onda punitivista está em curso no pacote de Flávio Dino e do governo Lula – o punitivismo da esquerda. Há um componente de propaganda político nesse embate desgastante, de pouca valia, esforço que é mais o de subscrever e consolidar uma tal e determinada narrativa de mundo – as partes pretendem demonstrar de que lado está o bem e de que lado está o mal.
No que interessa – a punição rápida e eficaz dos criminosos – , na sentença e na sua execução, a justiça é lenta, leniente,concessiva, paternalista. (Exceção nada honrosa da Lava Jato, suas exorbitâncias e estripulias). A nossa justiça toma em consideração atenuante e ampla a classe e a situação social do transgressor da lei – subjaz com enorme frequência um juízo “social” para o comportamento anti social. De nada adianta a dureza das penas.
A onda de punitivismo vem na pior hora: é mais do que tempo de desinflamar os espíritos, baixar a temperatura política, isolar os radicais, criar um ambiente de harmonia e diálogo. Assim,por esse caminho tortuoso, agravamos a intolerância, o ódio, que todas as partes atribuem ao outro, seu contrário no campo político. Se as partes se atribuem a prática do ódio e o clima de tensão, é porque ambas de alguma forma o estimulam.
O que fazer do pacote inoportuno, inconveniente, gerador de novas contendas, e de riscos de uso mal intencionado e autoritário ? Retirá-lo de pauta. Levá-lo em fogo baixo até que se esqueçam dele. Lançar sinais de paz e convivência. Restaurar um clima civilizado no embate político.