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Quadro atual de ministros do Supremo abre perspectiva de revisão da Lei da Anistia

Todos os ministros seguiram o voto do relator, ministro Gilmar Mendes. Foto: Agência Brasil)

Em meio ao sucesso internacional do filme brasileiro “Ainda Estou Aqui” e 15 anos após o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que negou a revisão da Lei da Anistia, uma nova configuração de ministros na Corte pode voltar a discutir o tema. Ao todo, três processos tratam do assunto e a expectativa é que eles sejam julgados em conjunto. Não há ainda, porém, uma data para que isso aconteça.

Desde a semana passada, a Suprema Corte analisa se uma dessas ações deve ter repercussão geral. Trata-se de um recurso relatado pelo ministro Flávio Dino. Na terça-feira (11), o STF formou maioria para dar repercussão geral ao entendimento sobre como deve ser a aplicação da Lei de Anistia aos chamados “crimes permanentes” – se a lei se aplica à prática de ocultação de cadáver.

Especialistas ouvidos pelo jornal Valor Econômico consideram que atualmente o país apresenta um contexto político mais propício para uma revisão sobre o assunto, especialmente para se reafirmar a defesa da democracia, após os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Além disso, analisam que a postura da mais alta Corte do Brasil, diante de um novo julgamento, possa ser mais progressista.

A discussão também acontece em um momento em que integrantes das Forças Armadas são citados nas investigações sobre a tentativa de golpe ocorrida após o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) perder as eleições em 2022.

A repercussão do filme “Ainda estou aqui”, que recebeu três indicações ao Oscar, também tem alimentado o debate público. O longa jogou luz a um capítulo do passado que ainda não está cicatrizado: a eventual punição dos agentes que cometeram crimes na ditadura e o sofrimento das famílias das vítimas desse período.

Ao Valor, a presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, Silvia Souza, explica que a postura do Supremo no julgamento de 2010 foi conservadora e não considerou totalmente a Constituição de 1988, promulgada após a Lei da Anistia. A advogada considera, por exemplo, que o Supremo tem tomado medidas mais duras em relação à tentativa recente de golpe, o que representa um marco para a defesa da democracia.

“Acho que [a nova interpretação da lei] seria uma confirmação para a sociedade de que o STF está comprometido com a Constituição e o Estado Democrático de Direto”, diz Silvia.

Já na avaliação de Rogério Sottili, diretor-executivo do Instituto Vladimir Herzog, a lei não precisa ser revisada, mas o Supremo deve dar uma nova interpretação sobre o teor da legislação. Ele conta que a entidade pediu para participar do processo, já se reuniu com o ministro Dias Toffoli e solicitou a realização de audiências públicas para reabrir a discussão.

“A gente percebe que a maioria dos ministros tem um pouco essa sensibilidade sobre o que está acontecendo no Brasil e também eles entenderam o que foram as ameaças do 8 de janeiro, porque o Supremo foi vítima direta”, frisa Sottili.

Em relação à primeira ação que já tramita na Suprema Corte, neste primeiro momento os ministros não discutem o mérito da questão, apenas se o que for decidido pelo STF deve valer para outros casos semelhantes.

Além de Dino, já se manifestaram a favor da repercussão geral os ministros Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e Edson Fachin. Os demais integrantes da Corte têm até esta sexta-feira (14) para votar.

A notícia de que há maioria no STF para dar repercussão geral ao julgamento da aplicação da Lei da Anistia ao crime de ocultação de cadáver também repercutiu no Congresso, onde a oposição tenta emplacar projetos de lei que anistiam os condenados pelos ataques aos prédios dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023. Além disso, aliados de Bolsonaro enxergam nas propostas um caminho para reverter a inelegibilidade do ex-presidente.

“Só podemos lamentar esse tipo de decisão que só serve para acirrar os ânimos. Não precisamos reabrir constantemente essa ferida que já estava cicatrizando”, disse a senadora Damares Alves (Republicanos-DF). No governo Bolsonaro, ela esteve à frente do ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. A pasta foi responsável por avaliar pedidos de anistia política na gestão do ex-presidente, a qual foi criticada por entidades da sociedade civil e vítimas da ditadura.

Já o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), afirma que a decisão da Suprema Corte está em linha com a Constituição de 1988 e projeta que o Tribunal irá debater também se a lei da anistia se estende ao crime de tortura.

“Celebro a decisão do Supremo Tribunal Federal porque a lei da anistia, mesmo à luz da égide do regime autoritário, não salvaguardava crimes imprescritíveis pela ordem constitucional de 1988, como os crimes de tortura e de ocultação de cadáver. Não estava isso previsto na lei e não é aceito de forma nenhuma pelo ordenamento constitucional vigente”, pontuou Randolfe. “Nenhuma família pode ficar tranquila quando os responsáveis pelo desaparecimento, pela tortura e morte de seus familiares não tenham sido responsabilizados pelo Estado brasileiro”, complementou.

Sobre a relação com a anistia aos condenados do 8 de Janeiro, Damares avalia que seria especulação relacionar esse movimento do STF a um recado relacionado ao tema. “Eu confio que a Suprema Corte vai ser sensata, no sentido de trazer uma decisão que acalme todo mundo”, pontuou.

Por outro lado, Rogério Carvalho (SE), líder do PT no Senado, vê o posicionamento da Suprema Corte como um recado direto. “A sociedade precisa entender que quem cometeu crime tem que pagar por esse crime”, disse. As informações são do jornal Valor Econômico.

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