Quinta-feira, 14 de novembro de 2024
Por Edson Bündchen | 29 de agosto de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Cada vez mais, pesquisas indicam que somos animais sociais que pensam e não animais racionais que sentem. As emoções, em larga medida, governam as nossas decisões e, por consequência, nossas vidas. Esse aspecto fundamental da nossa existência afeta várias áreas do conhecimento, dentre as quais a economia, direito, administração e, naturalmente a política. A ascensão do “homem social/comportamental” nesse sentido, a par de trazer novas luzes ao modo como vivemos, abriu igual espaço para charlatões explorarem nossas cavernas psíquicas, muitas vezes de forma criminosamente manipulativa. Nessa perspectiva acolhedora ao embuste, o grotesco sugere, enquanto estratégia, capturar as angústias de uma época que se vivencia e se concebe como a de grandes contradições e desalento. Tal confluência converteu o grotesco e o agressivo numa categoria estética da modernidade, oportunisticamente capturada em favor de projetos políticos, fundamentalmente dependentes da adesão popular. E, de fato, os recursos desta arte moldam a atual configuração sensível de parte do eleitorado que abraça o grotesco, se identifica e promove sua catarse individual através dele.
Entretanto, para que essas pulsões negativas tenham vazão, alguém precisa exercer esse papel do “meu malvado favorito” e candidatos não faltam num terreno tão fértil ao exercício da vigarice como o atual. A conjugação de um ambiente social e econômico extremamente incerto com uma tendência de muitos em abraçar o insensato, atrai candidatos antissistema como moscas ao mel. Está sendo nesse quadro que Pablo Marçal emerge de forma disruptiva no cenário das eleições à Prefeitura de São Paulo, terceiro maior orçamento público do País. Marçal, um candidato improvável até há bem pouco tempo, tem sua biografia recheada por interrogações, muitas delas bastante graves, a exemplo de condenação por crimes financeiros no Estado de Goiás. O ex-coach, de grande sucesso nas redes sociais, desafia abertamente o sistema, ataca ex-aliados e assume o papel de novo “outsider” da política brasileira, mas atua esteticamente repaginado, com uma linguagem tão agressiva quanto articulada, cavando um espaço até certo ponto inesperado junto ao segmento da extrema direita brasileira.
Desse modo, o candidato do nanico partido PRTB, uma das tantas siglas de aluguel que parasitam o nosso sistema político, abraça uma espécie de “vale-tudo”, briga na qual, ao que tudo indica, pouco tem a perder, mas muito a ganhar, especialmente em visibilidade nacional a partir de sua atuação centrada no confronto e uso massivo das redes sociais, onde navega com grande desenvoltura. Ao contrário de muitos que veem neste atual fenômeno uma espécie de “cisne negro” da política nacional, a estratégia de Pablo Marçal nada mais é do que o resultado de algo bastante esperado em sociedades marcadas pela ausência de perspectivas e desencanto pela política, argumentos mais que suficientes para preocupar todos aqueles que defendem a própria democracia.
Não deter qualquer experiência em gestão pública, agressividade exacerbada, condenações criminais e charlatanismo explícito parecem não influenciar eleitores ávidos por desconstruir o atual “status quo”. Nada ocorre, contudo, isolado de causas que o antecedem e Pablo Marçal, nesse contexto, é fruto justamente dessas expectativas, anseios e frustrações que precisam, de alguma forma transbordar. Em contrapartida, nosso sistema político revela-se incapaz de estabelecer filtros legais que diminuam o nível de charlatanismo eleitoral, quando não o incentiva abertamente. Essas grades de contenção a aventureiros e populistas hoje são ainda muito frágeis. Rompidas, elas abrem espaço para que os “marçais” da vida explorem os anseios de uma parte que se identifica com o grotesco, com o vale tudo verbal, com o nós contra eles, mesmo com a maioria sabendo que tal formulação populista não encontra bases críveis para prosperar.
(edsonbundchen@hotmail.com)
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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