Quase metade dos casos de pessoas que se infectaram com o novo coronavírus dentro de hospitais no Brasil terminou em morte.
Segundo dados do Sistema de Vigilância Epidemiológica, do Ministério da Saúde, dos 5.547 registros daqueles que contraíram o vírus dentro de uma unidade médica — entre pacientes e profissionais da saúde —, 2.426 morreram. Os dados se referem aos casos até 29 de julho.
Esse número equivale a uma taxa de mortalidade de 43%, mais alta do que a dos que pegam a Covid-19 fora do ambiente hospitalar e acabam internados, que é de 30%.
Para especialistas, fatores como o estado dos pacientes já internados, a falta de critérios específicos para infecções hospitalares por Covid-19 e a redução de profissionais especializados, como enfermeiros, podem ter contribuído para essa diferença.
Os dados levam em conta apenas os casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Srag), uma das complicações causadas pelo novo coronavírus e que, portanto, levaram à internação.
Pior do que no exterior
Os números brasileiros divergem do padrão internacional identificado por alguns estudos. O mais recente deles, de cientistas britânicos e italianos, com 1.500 pacientes de 10 hospitais, não observou grande diferença na taxa de mortalidade entre os que se infectaram com o coronavírus dentro ou fora do hospital.
Nesta pesquisa, a mortalidade entre pacientes que se infectaram dentro ou fora do hospital foi a mesma (27%). Esse número é comparável à mortalidade dos que se infectaram fora do hospital e acabaram em um no Brasil (30%).
Especialistas apontam a necessidade de estudos mais detalhados sobre o estado dos pacientes, de forma a compreender o avanço da doença dentro dos hospitais.
“A classificação por infecção hospitalar precisa obedecer a critérios e, no caso da Covid, ainda não temos consenso mesmo a nível mundial. E, em relação à mortalidade, esse número não pode ser atribuído apenas à qualidade hospitalar: é preciso saber se os pacientes tinham prognóstico semelhante aos dos outros que adquiriram Covid-19 naquele ambiente, considerar a severidade dos casos e se estavam ou não na UTI”, afirma a professora Maria Clara Padoveze, da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo.
A avaliação é confirmada pela pesquisadora Andreza Martins, professora de microbiologia e especialista em controle de infecções da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Ela também destacou a dificuldade que as unidades de saúde no Brasil têm para identificar quais casos de coronavírus foram adquiridos dentro de suas unidades. Outro ponto é que, diferentemente da Inglaterra e da Itália, o controle de infecção hospitalar ainda tem alguns problemas no País.
Programa de prevenção das infecções
Desde 1997, pela Lei 9.431, todo hospital é obrigado a manter um programa de controle de infecções hospitalares. Entretanto, de acordo com pesquisadores que estudam o tema, apenas os locais mais estruturados têm equipe especializada em identificar e prevenir infecções.
“A infecção hospitalar pode prolongar o tempo de internação, o que causa impacto na quantidade de leitos disponíveis. Pode, também, confundir o acompanhamento clínico inicial, com sintomas diferentes. São várias as consequências de uma infecção adquirida dentro do hospital, e a gente tem que tentar evitar ao máximo, seguindo várias linhas de prevenção”, afirma Lívio Dias, médico do Centro de Vigilância Sanitária de São Paulo e diretor da Associação Paulista de Estudos e Controle de Infecção Hospitalar.
Para Dias, é provável que o número de casos infectados dentro dos hospitais seja muito maior do que conseguem identificar e notificar ao Ministério da Saúde.
De todos os 260 mil casos de Srag confirmados para o novo coronavírus, 170 mil foram notificados como de infecção comunitária, fora do hospital. Em outros 83 mil, as unidades de saúde não conseguiram identificar a origem da doença.
A dificuldade de identificar esse tipo de caso é ilustrada pela quantidade de profissionais de saúde que já se infectaram com o Sars-CoV-2. Segundo dados do e-SUS, 19% de todos os 281 mil casos de São Paulo de fevereiro a junho foram de profissionais da área.
A professora Padoveze também aponta a necessidade de investimento na formação e contratação de profissionais.