Quarta-feira, 27 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 1 de julho de 2023
Quase ninguém percebeu quando o Congresso aprovou a Lei de Defesa do Estado Democrático que um novo tipo penal estava sendo criado. Acrescido ao artigo 286 do Código Penal, havia uma nova modalidade de incitação ao crime, incorrendo na mesma pena dele “quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade”.
É a sombra deste artigo que, depois do julgamento no Tribunal Superior Eleitoral, vai se aproximar da cabeça do ex-presidente Jair Bolsonaro. No Supremo Tribunal Federal ninguém esqueceu que o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos pediu, no dia 13 de janeiro, a inclusão de Bolsonaro na investigação sobre a intentona do 8 de Janeiro. Usou, para tanto, a representação de 80 procuradores contra o ex-presidente que, no dia 10 de janeiro, publicou vídeo no Facebook no qual se dizia que “Lula não foi eleito pelo povo, ele foi escolhido e eleito pelo STF e pelo TSE”.
O vídeo afirmava ainda que “Lula foi escolhido pelo serviço eleitoral, pelos ministros do STF e pelos ministros do Tribunal Superior Eleitoral”. Para o Ministério Público Federal, não há dúvida de que, apenas dois dias depois da tresloucada tomada das sedes dos três Poderes, a mensagem de Bolsonaro incitava “novos atos de insurgência civil contra os Poderes da República, de modo a configurar o crime previsto no art. 286, parágrafo único, do Código Penal”.
Vivandeira
O constitucionalista Oscar Vilhena, que participou da comissão que debateu o Projeto da Lei de Defesa do Estado Democrático, afirmou que a lei, a partir de então, passou a punir quem busca provocar extravagâncias no poder militar. “Antes, quando as vivandeiras se manifestavam, a lei não dispunha de meios para punir esse conduta. Agora, tem.” Segundo ele, não se restringiu a liberdade de expressão em nome de um discurso autoritário, mas se definiu que não se pode incitar as Forças Armadas a dar um golpe.
Vilhena citou dois outros artigos da lei que ajudaram a defender a democracia. O que definiu como crime tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o estado democrático de direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais, e ainda o que tornou delito a ação de impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema de votação.
Para Vilhena, com a introdução desses dispositivos na legislação penal, o sistema de defesa da democracia ficou fortalecido, paradoxalmente, por um Congresso conservador, em uma conjuntura política caracterizada por ataques permanentes por parte do próprio presidente da República e seus apoiadores. É diante dessa nova realidade que Bolsonaro vai ter de prestar contas.
Codinome PR1
Como não se pode alegar desconhecimento da lei, Bolsonaro terá de responder à Polícia Federal e, eventualmente, à Justiça, sobre mensagens encontradas no celular do ex-capitão Ailton Barros. Preso sob suspeita de participar de falsificação de certificados de vacinação contra a covid, Barros enviou para seu contato “PR1” – que os investigadores acreditam ser o então presidente da República – mensagem em que dizia: “Vamos acampar em Brasília até os 11 ministros do STF saírem de suas cadeiras!”
Havia, ainda, um xingamento ao ministro Alexandre de Moraes: “Bicha velha pelancuda na questão das urnas eletrônicas”. Em outra mensagem, falou: “Bom dia PR, quer que eu ligue ou já safou? Apaguei ‘pq’ já peguei orientação com o Cidinho”. Cidinho é Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Tenentecoronel, ele também preso na investigação sobre fraudes nas carteiras de vacinação.
Foi Cid que manteve conversas com o coronel Jean Lawand Jr. após a eleição nas quais o militar o incitava a convencer Bolsonaro a dar o golpe. “Mas o Pr (presidente) não pode dar uma ordem… se ele não confia no ACE (Alto-Comando do Exército).” Ou seja, vontade não faltaria, o que não haveria eram condições para que o golpe fosse dado.
Ora, se o Alto-Comando não era confiável para os golpistas, era necessário incitar outras pessoas. Daí a ideia de Lawand – errada – de que do general de divisão para baixo todos os militares estariam disponíveis para a aventura. Havia resistência e ela não era apenas dos generais de quatro estrelas. E, apesar de oficiais bolsonaristas terem estimulado coronéis a passar por cima dos generais, nenhuma das mais de 600 unidades militares se rebelou.