Estamos às vésperas do turno final da eleição de presidente. Não acredito – dizem que nem Lula acredita – em uma virada. Ao que parece, a eleição devastou tudo e não há sinal de que as coisas, de algum modo, voltem ao lugar onde estavam. O Brasil não será mais o mesmo, mudou para o mal ou para o bem.
O analista deve se ater aos fatos, não às particulares opiniões. E Jair Bolsonaro, do que dele se sabe, de consciência leve, nada tem a oferecer para uma mudança genuína, capaz de reviver a esperança que – um dia – já tivemos no futuro deste país.
Era razoável pensar em um futuro de paz para todos os brasileiros. Mas não há em Bolsonaro nenhum gesto, nenhuma palavra de diálogo e entendimento, senão de divergência e confrontação. Agressivo, armado até os dentes (na pregação e na palavra), assim vestido e pintado para a guerra, fez a travessia eleitoral bem sucedida. Por que agora ele assumiria o papel do estadista que, vitorioso, conclama todos ao esforço comum e ao congraçamento?
Era justo e adequado imaginar que seríamos capazes de viver em certa harmonia, dentre as dissonâncias várias, as diversas visões de mundo, economia e sociedade, próprias dos regimes plurais, democráticos, civilizados. Mas da campanha, que outra coisa resultou senão a insensatez, a fúria, os dogmas intocáveis de cada um, a exclusão do outro? Nos tornamos uma arena de luta a céu aberto, em tempo integral, e nada nos demove da obsessão de provar que temos razão e que o inimigo precisa ser combatido a qualquer preço e custo.
Em clima assim exaltado, ninguém espere que os homens justos, os brasileiros de boa vontade – os que se recusam a participar do arranca-rabo geral – se mobilizem para a obra necessária de reconstrução do país, que só pode ser alcançada através de um consenso mínimo na coletividade nacional. Como, se o vencedor só emite sinais de belicosidade, dobra a aposta, ataca, reitera o estilo bruto?
Uma parcela ponderável da sociedade brasileira parecia ter entendido que era preciso aliviar a mão pesada do Estado, que rouba as energias da nação, que gasta mais do que arrecada, ineficiente e perdulário. O Estado, que tanto mais alastra os tentáculos em todas as direções, mais exíguo torna o espaço de nossa liberdade e dos nossos sonhos.
Mas no lado vencedor predomina o olhar para trás, falando de valores regressivos, carcomidos de fracasso histórico, os mesmos que têm tolhido o exercício pleno de nossas competências e potencialidades.
Com a oposição ruidosa das corporações, é verdade, mas tínhamos avançado no debate sobre a crise da previdência, a qual, se permanecer assim, em breve entrará em colapso, levando de cambulhada o país, a nação. Mas o assunto não parece estar na ordem do dia do vencedor. E como poderia, se Bolsonaro é militar, e se as normas especiais de pensão e aposentadoria dos militares é um dos tantos nós górdios, que, se não forem desfeitos, manterão a previdência em situação pré-falimentar?
Milhões de eleitores terão quatro anos para se arrepender. Fique claro: o colunista não corre risco de arrependimento, nem de votar em Bolsonaro, nem de votar em Haddad.