Conhecido por suas planícies inundadas, o Pantanal assiste sua vegetação tomada por fogo e fuligem. Entre 1º de janeiro e a última terça-feira (21), foram detectados 3.415 queimadas na região. É a maior quantidade verificada desde 1998, quando o monitoramento começou a ser realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Trinta e sete ONGs do Brasil, da Bolívia e do Paraguai, países onde o bioma se expande, estão promovendo reuniões para pressionar autoridades a investir no combate ao fogo.
A quantidade de focos de incêndio registrada entre 1º de janeiro e esta terça-feira é 189% maior do que a vista no mesmo período no ano passado. O dado é tão alarmante que o bioma foi incluído, junto com a Amazônia, na moratória decretada pelo governo federal que proibiu as queimadas por 120 dias.
O governo do Mato Grosso do Sul criou um gabinete de crise para conter os focos de incêndio. Em seu território está Corumbá, o município brasileiro que mais registra queimadas atualmente no país – o Inpe reconheceu 152 nos últimos dois dias. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) levou novos brigadistas ao Pantanal, mas sua chegada a algumas áreas isoladas com queimadas é um desafio, porque exige transporte fluvial ou aéreo.
Outra preocupação da rede de ONGs internacionais, batizada Observatório Pantanal, é o dano à saúde humana provocado pela exposição à fumaça, como o agravamento de problemas respiratórios, irritação dos olhos e alergia. Os representantes da sociedade civil temem que os pacientes, ao procurar hospitais, tomem leitos destinados a pacientes com coronavírus. O Mato Grosso do Sul é um dos estados com maior média móvel de óbitos por Covid-19 na última semana.
Líder da Iniciativa Pantanal do WWF-Brasil, que integra o Observatório Pantanal, Júlio César Sampaio destaca que o fogo faz parte da dinâmica natural do bioma, funcionando como a principal ferramenta para a renovação da pastagem nativa, e que seu uso controlado por proprietários rurais pode ser autorizado por lei em determinados períodos, caso não provoque danos ao ecossistema. No entanto, o atual registro dos incêndios mostra que eles estão sendo usados de forma criminosa no desmatamento e na limpeza e reforma de pastagens.
Além disso, a estiagem observada nos últimos meses na região contribuiu para o estrago causado pelos incêndios.
“O volume de chuvas ficou 50% abaixo do normal entre janeiro a maio. Estamos em um ano muito seco e de ventos fortes, o que facilita a ocorrência de queimadas, inclusive em locais onde não houve chuva suficiente para encher as áreas alagadiças”, explica Sampaio. “Veremos lagoas secando, jacarés buscando comida no meio do pasto.”
Sampaio destaca que o fogo tornou-se um “problema social”, especialmente para a preservação da saúde da população, e que seu impacto vai muito além do prejuízo econômico e das baixas na biodiversidade. Cientistas do observatório avaliam que as queimadas vão se intensificar nos próximos meses, já que a estação de seca do Pantanal ocorre entre julho e outubro. Também há a previsão de que o fenômeno climático La Niña chegue à região ainda este ano e reduza ainda mais as chuvas.
Felipe Dias, diretor executivo do Instituto SOS Pantanal, acrescenta que os rios não inundaram a planície como é esperado para esta época do ano. “Deveríamos estar no nível de cheia máxima, principalmente no rio Paraguai. Agora, a área sem inundação está vulnerável a incêndios, especialmente diante da atual condição de baixa umidade do solo e do ar”, avalia.
Segundo Dias, o Pantanal vive hoje um retrato que será comum no futuro: a precipitação de chuvas na cabeceira dos rios pode ser reduzida ou até mantida no nível conhecido hoje, mas sua distribuição temporal será concentrada – ou seja, em alguns momentos a pluviosidade será intensa, seguida por outros períodos de longa estiagem, colocando em risco a conservação da maior área úmida tropical do planeta.
Danilo Bandini Ribeiro, professor do Laboratório de Ecologia da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), considera que o atual estado da fiscalização do Ibama compromete o controle das queimadas. “O Ibama sofreu uma redução orçamentária que comprometeu o combate a incêndios criminosos e o manejo do fogo”, lamenta.
Ribeiro também preocupa-se com o fato de o Pantanal ser um bioma que atrai menos atenção, já que tem menor visibilidade internacional do que a Amazônia e ainda conserva mais de 80% de sua vegetação original nas planícies.
“A nascente dos rios, que fica no Cerrado, está muito degradada. Muitas pessoas esquecem que há uma conexão entre este bioma e o Pantanal”, pondera. “Devemos aproveitar este momento, em que há uma pressão para que o governo mude sua política ambiental, para mostrar os nossos problemas.” As informações são do jornal O Globo.