A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou, em 2014, o tenente do Exército Antônio Fernando Hughes de Carvalho como responsável pela tortura e morte do ex-deputado Rubens Paiva, retratado no filme “Ainda estou aqui” (2024), protagonizado por Fernanda Torres e Selton Mello e em cartaz nos cinemas. A conclusão do relatório se sustenta pelo depoimento de um militar, identificado pela comissão por “agente Y”, que afirmou ter visto Hughes “utilizando método não tradicional de interrogatório em uma pessoa que, de relance, lhe pareceu ser de meia idade”.
A data do episódio, 21 de janeiro de 1971, coincide como o segundo dia de prisão de Rubens Paiva na carceragem do Departamento de Operações de Informações do 1º Exército (DOI-I), na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, na Zona Norte do Rio de Janeiro. A morte do ex-deputado, em caso que levou mais de 40 anos para ser esclarecido, é abordada no longa-metragem de Walter Salles, produção cotada a receber indicações ao Oscar, entre as quais a categoria de Melhor Filme Estrangeiro.
À época da publicação, o relatório da CVN não divulgou o nome do “agente Y” por compromisso de sigilo com o depoente. Também em 2014, o GLOBO revelou que o nome de Hughes foi citado pelo coronel da reserva Armando Avólio Filho, na época tenente lotado no Pelotão de Investigações Criminais da Polícia do Exército (PIC/PE). Avólio, cujo nome consta da lista de torturadores do Projeto Brasil Nunca Mais, disse à comissão e ao Ministério Público Federal que, quase ao término do expediente de 21 de janeiro, um dia após a chegada de Paiva ao DOI-I, testemunhou a cena de tortura porque uma das portas da sala de interrogatórios do destacamento estava entreaberta.
Além de Hughes, que já morreu, a comissão também acusou o general reformado José Antônio Nogueira Belham pela morte do ex-deputado, cujo corpo jamais foi encontrado. Major na época, Belham era o comandante do DOI. Avólio contou que, por temer que o preso não resistisse ao interrogatório, teria levado o “problema” a Belham. Sua iniciativa foi confirmada à comissão pelo coronel Ronald José Baptista de Leão, então major e chefe do PIC, que o acompanhou no encontro com o comandante.
O processo, aberto em 2014, contra Belham, que ainda está vivo, e os militares Rubens Paim Sampaio (que já morreu), Raymundo Ronaldo Campos (que também já morreu), Jurandyr Ochsendorf e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza, se constituiu no primeiro caso de denúncia por homicídio, no Judiciário brasileiro, contra militares por crimes cometidos na ditadura. A denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF) foi aceita em primeira e segunda instância há dez anos.
Os réus, porém, entraram com uma reclamação no Supremo Tribunal Federal (STF), em setembro de 2014, pedindo a suspensão do processo, alegando que a decisão da primeira instância afrontava a autoridade da Corte, que decidiu pela validade da Lei da Anistia. O MPF alegou que o crime de desaparecimento forçado, caso do deputado, constituiu crime de lesa-humanidade e, por isso, não passível de anistia. Na ocasião, o ministro Teori Zavascki trancou o caso temporariamente para discutir o mérito posteriormente.
Com a morte do ministro, ocorreu um equívoco e os autos foram arquivados em abril de 2017, até que, em janeiro de 2018, ao se dar conta do erro, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu para que a reclamação continuasse em tramitação e fosse para as mãos do ministro Alexandre de Moraes, que herdou os processos de Zavascki, morto em um acidente aéreo em janeiro de 2017.
Em novembro de 2018, Moraes estendeu os efeitos da liminar concedida aos cinco militares acusados de envolvimento na morte de Rubens Paiva ao médico Ricardo Agnese Fayad, general reformado do Exército, denunciado pelo crime de lesão corporal qualificada cometido durante a ditadura militar contra Espedito de Freitas, membro da organização política denominada Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). O ministro suspendeu o trâmite do processo em curso na 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro contra o médico.
Caso reaberto
Em abril de 2024, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos, vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos, reabriu, em âmbito interno, o processo referente ao assassinato de Rubens Paiva. A decisão, por seis votos a favor e uma abstenção, tem caráter sobretudo simbólico e de reparação da memória. As informações são do jornal O Globo.