Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 10 de dezembro de 2018
Há cinco anos a empresária paulistana de origem libanesa Aline Saleh, 29, guarda um segredo relevado, no sábado (8), na voz de outras mulheres. Ela relata ter sido abusada sexualmente pelo médium João de Deus em 2013, quando esteve com a avó na Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia (GO), em busca de cura e espiritualidade. Saleh contou sua história ao jornal Folha de S. Paulo sem medo de registrar sua identidade e seu rosto. “Quem tem de sentir vergonha é ele, e não eu.” A seguir, trechos do depoimento de Saleh.
Mediunidade
“Tenho mediunidade desde pequena. Via vultos, tinha sonhos fortes. E vivia à procura de meios para entender melhor esses fenômenos e me desenvolver mais espiritualmente. Eu nunca tinha ouvido falar de João de Deus até 2013, quando minha avó me convidou para acompanhá-la numa visita ao médium em Abadiânia, Goiás.
Ela queria curar as dores de uma contusão no braço direito. Fiquei curiosa e topei. Eu já tinha frequentado um centro de umbanda, e tinha algum conhecimento da relação com entidades e médiuns.”
Chegada
“Cheguei a Abadiânia e achei espantoso como a cidadezinha toda gira em torno de João de Deus. Há fotos dele em toda parte.
A Casa Dom Inácio de Loyola, onde ele atende, é linda e cercada por natureza. Na porta, um grupo canta e toca violão. O clima é de paz. Parecia ser um lugar que fazia o bem.
Ali existe uma vibe boa mesmo porque todo mundo está em busca das mesmas coisas: uma cura, uma esperança, uma palavra. Então todos entram na mesma sintonia.”
Atendimento
“Numa espécie de púlpito, fica João de Deus, numa cadeira, supostamente incorporado por uma entidade.
Minha avó foi antes de mim. Falou de seu braço. Ele nem olhou na cara dela. Rabiscou uma receita de passiflora, vendida numa casinha ao lado, disse que ela ficaria boa.
Na minha vez, perguntou o que eu buscava ali. Expliquei que sofria com a minha mediunindade, que me fazia tão bem quanto mal porque não sabia controlá-la. A entidade pediu que eu procurasse o ‘médium João’.”
Sonho
“De noite, tive um sonho horrível. João de Deus aparecia de preto, do lado da minha cama, e sugava toda a minha energia, com as mãos sob meu rosto. Eu conseguia sentir os fluidos saindo do meu corpo, mas não conseguia me mexer.
Acordei com um grito. E caí num choro descontrolado. Minha avó se assustou. Do alto dos meus 24 anos, pedi para dormir na cama dela —coisa que nunca tinha feito.
Na manhã seguinte, voltamos à Casa. No encontro com João de Deus, fui logo falando do meu sonho. Ele disse que era normal e que ele estava me passando energia, e não tirando de mim. Começou a me falar que eu era muito especial.
Pediu que me sentasse na cadeira dele, no púlpito, até sua chegada à sessão, de olhos fechados. Disse para eu ‘comandar a energia do espaço’.
Pela expressão de sua ajudante, ela achou aquilo tão esquisito quanto eu, mas me conduziu ao púlpito que nem um robô. Várias pessoas do corredor me olharam abismadas. Fechei os olhos e mantrei [meditei mantras].”
Passe
“Entrou uma senhora simples com um menino de mais ou menos 10 anos, que claramente tinha algum problema mental. Ela disse ao ‘Seu João’ que era a terceira vez que ia à Casa, sem observar melhora no filho.
O médium olhou pra mim e disse: ‘Dá um passe nele’. Falei que não sabia. E ele: ‘Sabe, sim!’.
Não sabia direito o que estava fazendo. Quando terminei, ele falou para a mãe do garoto: ‘Pronto, ele já vai melhorar'”.
Chacras
“Não fiquei confortável com aquela situação. E piorou. Quando a mulher, o filho e o assistente saíram da sala, João passou a chave na porta de vidro jateado. Virou e começou a falar:’Olha, menina, você tem um dom. Você é muito especial. Viu o que acabou de fazer no menino?’. E eu, quieta.
“Agora, vou reenergizar os seus chacras. Fica de pé!”, mandou. E começou a pegar nas regiões dos sete chacras do corpo [pelve, umbigo, estômago, coração, garganta, testa e topo da cabeça].
Disse que eu estava com muita energia e precisava de um realinhamento. Abriu a porta do banheiro da sala e me colocou pra dentro. Pediu que eu virasse de costas, colocasse as mãos nos meus quadris e me mexesse. Disse que era para liberar a energia. Muito esquisito.
E, nisso, você se vê acuada e não sabe o que fazer. Sentia meu corpo todo gelado, dos pés à cabeça. Ele falava ‘mexe, mexe’. E eu dizia:’não quero, não consigo’.
João falava o tempo todo que estava “tudo certo”, e começou a me encoxar, rebolando. Aí pegou a minha mão e colocou para trás, no pinto dele, flácido, que estava para fora da calça.
Puxei a mão de volta. Ele disse que era ‘assim mesmo’, que era importante e tal.
Tentou, de novo, conduzir minha mão para o seu pênis. Eu reagi. ‘O que é isso? Isso não está certo!’. E me virei. Ele saiu pra sala, fechou a calça, se sentou no sofá. Eu me sentei no segundo sofá da sala, petrificada.”