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Por Redação O Sul | 17 de junho de 2023
Enquanto se prepara para dirigir o seu novo projeto, “The Movie Critic”, sobre jornalista que escreve críticas de cinema para uma publicação pornográfica, Tarantino promove o seu último livro. “Cinema Speculation” foi lançado no fim do ano passado nos EUA e, em março, na França. Na obra, o cineasta conta qual é seu limite para a violência nos filmes, e muito mais.
Previsto para chegar ao Brasil no último trimestre do ano pela Intrínseca, o livro faz o que o título sugere. São especulações, análises e lembranças pessoais ligadas a filmes do final da década de 60 e dos anos 70 que, além de trazerem novo fôlego a Hollywood, foram os que mais influenciaram o gosto cinematográfico do autor. Muitos ele viu ainda criança.
Um exemplo é “Bullit” (1968), título policial que entrou para a história do cinema pelas alucinantes cenas de perseguição automobilísticas, visto por Tarantino aos oito anos. “Assisti a alguns filmes na noite de estreia em Los Angeles, levado pela minha mãe e pelo marido dela na época”, conta Tarantino em uma masterclass da Quinzaine des Cinéastes, que teve cobertura do Valor, no 76 Festival de Cannes.
Treze filmes são discutidos a fundo no livro, de um modo tão entusiasmado que só um grande cinéfilo consegue fazer. Entre eles, estão “Os Implacáveis” (1972), do qual o autor empresta uma imagem para a capa de “Cinema Speculation” (com o ator Steve McQueen e o diretor Sam Peckinpah no set), “A Outra Face da Violência” (1972), filme de ação de John Flynn que Tarantino apresentou na Croisette, antes da masterclass, e “Taxi Driver”.
“Não que eu questione Martin Scorsese pelo trabalho feito em ‘Taxi Driver’, um dos melhores filmes de todos os tempos”, afirma Tarantino, ao explicar o capítulo em que imagina a obra pelas lentes de De Palma. O que mais o incomoda é o fato de a Columbia Pictures ter insistido para trocar a raça do cafetão Sport (vivido por Harvey Keitel), originalmente concebido como negro e não como branco.
Como Bickle (interpretado por Robert De Niro) é um personagem racista, sua interação com um negro teria sido ainda mais significativa e mais realista, na visão de Tarantino. Ele acredita que De Palma poderia ter sido mais bem-sucedido na queda de braço com o estúdio para manter o personagem negro.
“Scorsese fez a melhor versão que podia, trazendo Keitel para o filme. E hoje não dá para imaginar ‘Taxi Driver’ sem ele. A desculpa que o estúdio deu para a mudança é que foi uma palhaçada”, comenta Tarantino, lembrando que os executivos diziam ter medo de protestos da plateia negra. Algo que poderia obrigá-los a tirar o filme dos cinemas.
No que diz respeito ao gosto pela violência e pelo sangue, um elemento sempre presente na obra de Tarantino (além dos diálogos afiados e do humor negro), uma grande influência foi Don Siegel.
“Quando se trata de filmar a violência, podemos chamá-lo de cirurgião”, escreve Tarantino, com dois capítulos sobre o cineasta. Ou melhor, aos seus “Perseguidor Implacável” (1971), apresentando Clint Eastwood como Dirty Harry, o policial que faz justiça com as próprias mãos, e “Alcatraz, Fuga Impossível” (1979), com Eastwood vivendo o condenado que conseguiu escapar da prisão.
“Se Don Siegel tinha uma vantagem estilística sobre os cineastas de geração anteriores e sobre os seus contemporâneos, isso veio da sua queda por explosões de violência brutal nos seus filmes”, escreve Tarantino, mencionando o tiro sangrento na mulher nadando na piscina de sua cobertura no início de “Perseguidor Implacável”.
O humor que Siegel conseguia imprimir nas sequências de ação também é exaltado. O autor cita várias vezes a cena em que Dirty Harry continua mastigando o seu cachorro-quente enquanto atira em um ladrão de banco. “Aliado ao estilo de Eastwood no papel, o humor foi o que fez a plateia torcer por Harry, a ponto de se empolgar com o personagem, como apontou a crítica (na época).”
Para Tarantino, há algum limite para a violência nas telas? Em “Cinema Speculation”, ele conta ter visto aos sete anos “Joe – Das Drogas à Morte”, filme em que John G. Avildsen filma um pai atirando acidentalmente na própria filha. “Sim, não suporto ver algo frequente na produção europeia e asiática: matar animais. É uma ponte que não posso atravessar. Eu não pago para ver uma morte de verdade. Nem mesmo de insetos”, conta Tarantino, arrancando risadas da plateia. “A mosca não está nem aí para o seu filme.”