Sábado, 21 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 28 de dezembro de 2023
Carla Madeira escreveu Tudo é Rio como um exercício de experimentação de linguagem. Ao finalizar a cena mais forte da história, um ato de violência que mudaria para sempre o destino do casal Dalva e Venâncio e que interferiria também na vida da prostituta Lucy, Carla travou. Ela tinha 33 anos e só foi retomar a escrita 15 anos depois, ainda sem pensar em publicar. Os amigos que leram a incentivaram.
Em 2014, o romance foi lançado pela editora independente Quixote, de Belo Horizonte, onde Carla é uma renomada publicitária. Nos anos que se seguiram, o livro teve uma trajetória local respeitada – com 10 mil exemplares vendidos, segundo a autora.
Em 2023, Carla Madeira confirma essa trajetória de sucesso ao se tornar não só a escritora brasileira mais vendida no ano, mas também a única ficcionista, entre homens ou mulheres, do País, a aparecer no ranking de 10 livros mais vendidos no Brasil, feita pela Nielsen BookScan – Tudo é Rio é o 9º colocado de uma lista dominada por Colleen Hoover. Segundo sua editora, só neste ano ela vendeu nada menos do que 131 mil exemplares. Desde o relançamento, já são mais de 350 mil cópias impressas e digitais.
Nascida em Belo Horizonte em 1964, estudante de Matemática que optou pela Comunicação e dona de uma agência de publicidade, Carla Madeira é autora de outras duas obras. A Natureza da Mordida, escrito depois de Tudo é Rio e também publicado pela primeira vez pela Quixote, com 4 mil exemplares vendidos no começo de sua trajetória, acompanha uma psicanalista aposentada apaixonada por literatura e uma jovem jornalista. E Véspera, posterior ao sucesso de seu romance de estreia, o primeiro revelado pela Record, parte da história de uma mulher destroçada por um casamento que em um momento de descontrole abandona seu filho e, imediatamente arrependida, volta para o lugar onde o deixou e não encontra vestígios de sua presença.
Somados, os três livros ultrapassam, nas edições da Record, segundo a editora, os 500 mil exemplares vendidos desde o lançamento. Só em 2023, foram 240 mil. Confira os principais pontos de sua entrevista.
1. Quando começou a escrever, quando publicou seu livro por uma editora independente e local, imaginou chegar aonde chegou, ser a autora mais vendida do Brasil? Quando comecei a escrever Tudo é Rio, não tinha ideia de que faria um livro. Começou muito mais como um exercício de linguagem, um gosto de explorar aquele narrador e a sua prosódia. Quando fui pega pela história, escrevi sem pensar muito na possibilidade de publicar. Só quando terminei, depois que alguns amigos leram e me disseram o que sentiram, comecei a pensar na possibilidade de publicar. Não imaginava que se tornaria um livro com uma ressonância tão grande dentro das pessoas.
2. O que a escrita significa para você? Quando estou escrevendo sinto que não gostaria de estar fazendo outra coisa, entro em profundo envolvimento, salivo. Mesmo nas horas de angústia, quando não encontro o caminho, a palavra, o sentido, quero estar ali. Vivo com muita intensidade o processo criativo, e nos dias bons, quando bateio um diamante, experimento aquele breve e inesquecível instante em que a vida está completa, sobre a qual Cecília Meireles fala em seu poema Motivo. Acho que sou poeta embora faça prosa.
3. Uma das questões de Tudo é Rio é o perdão. Há quem veja o livro como machista. Numa sociedade que luta tanto contra o feminicídio, o que você quis mostrar com sua história? Em um país onde a violência de gênero é imensa e a impunidade também, Tudo é Rio atrita ao colocar a questão do perdão. As pessoas que não aceitam o perdão narrado no desfecho do livro, talvez pensem que perdoar é uma espécie de “deixa pra lá”, vamos fingir que não aconteceu. Estas pessoas acham imperdoável o perdão que acontece na história, e leem um “viveram felizes para sempre” ao final do livro. Muitas outras pessoas, e eu me incluo neste grupo, entendem que o perdão é a única possibilidade de cessar a agressão e tirar a vítima das mãos de um agressor. Este grupo, diferente do primeiro, costuma perceber que o final do livro está em aberto, que o próximo passo traz a possibilidade dos abismos, como está dito no último parágrafo, ao mesmo tempo que a vida, o desejo de viver, está de volta com toda a sua umidade e possiblidades. Mas talvez o que realmente importe é que Tudo é rio tornou-se uma ocasião de conversar sobre a violência de gênero e é muito legal quando um livro passa a fazer parte das conversas que são relevantes para as pessoas.
4. O que aprendeu sobre perdão de lá para cá? O que tenho aprendido sobre o perdão é que quero viver em um mundo onde ele exista.