Que a economia é um assunto relevante, poucos duvidam. Já, entender os seus meandros, exige um pouco mais de dedicação e conhecimento, especialmente se a intenção for escrutinar para onde caminhamos, e quais as chances de termos um horizonte razoável pela frente. Para aqueles, como a esmagadora maioria da população, que desconhecem os porquês da carestia, mas sentem no bolso toda a vez que o arroz e o feijão aumentam de preço, não há muito para onde fugir, tampouco argumentos que possam aliviar a sensação de empobrecimento que surge sempre que o fantasma da inflação ressurge. Uma segunda camada, supostamente mais esclarecida, com poder para definir as políticas que regerão o norte da economia nacional, opera hoje sobre o arcabouço fiscal, termo tão distante do vocabulário da massa quanto estratégico para o futuro do País, mas que afeta diretamente a vida das pessoas. E são esses formuladores da política econômica que travam, para além das teorias que orientam as decisões que tomam, um encontro de real impacto para cada uma das alavancas movimentadas, pois não existe política neutra em decisões macroeconômicas.
Decerto haveria, como de fato há, bem mais do que consensos quando o assunto é o melhor caminho no meio da escassez que caracteriza o universo de preços. Escolhas feitas, no momento em que sobram problemas e faltam recursos, podem suscitar nas mentes mais arejadas, uma inclinação quase que irresistível para a inovação, mesmo sendo o estudo econômico um terreno conservador por sua própria natureza. É o que faz agora André Lara Resende, economista de renome, que cutucou o “mainstream” econômico tupiniquim como poucas vezes visto, e armado com um argumento tanto original quanto ousado. Para Lara Resende, o quase dogma monetarista precisa ser questionado. Há espaço, segundo um dos mentores do Plano Real, para mais atrevimento, e esse arrojo não seria nada inconsequente, mas antes um sinal de que é possível pensar “fora da caixa”, particularmente quando a novidade promete uma alternativa para que o Brasil perca a incômoda liderança como o País que detém a maior taxa de juros reais do mundo.
A proposta, por enquanto tratada em nível de abstração teórica e que sofre ataques contundentes daqueles a quem Lara Resende trata como “mercadistas”, parte do pressuposto que não é mais o lastro metálico que traz confiança à moeda, mas a credibilidade no próprio Governo, suas instituições e políticas. Nessa perspectiva, não haveria razões para o atual patamar da taxa de juros hoje estabelecida pelo Bacen, criando-se, assim, um argumento não político, embora polêmico, para colocar mais lenha nessa fogueira que envolve a palpitante discussão sobre os juros no Brasil. Contudo, ao contestar uma das placas tectônicas dos fundamentos macroeconômicos, que é o tratamento da inflação via juros, atribuindo a credibilidade do Governo como sustentáculo da confiança na moeda, Lara Resende parece desconsiderar que é justamente credibilidade e confiança que carecem aos entes públicos nacionais, o que torna a missão do Bacen ainda mais espinhosa, diante de um conservadorismo a contragosto que é obrigado a praticar, mesmo ao custo de produzir desemprego, aumento generalizado da inadimplência e quebradeira de empresas que assomam num horizonte próximo.
Embora a atual discussão em torno da taxa de juros praticada no Brasil ainda esteja longe de ser um tema ameno, é preciso que o assunto permeie com maior desenvoltura outros círculos sociais e acadêmicos, que não somente entre os iniciados na matéria, até para que propostas como a de Lara Resende não sejam tomadas apenas como impertinentes, mas alternativas ao atual dogmatismo que cerca o assunto. Salta aos olhos, nesse sentido, que pior do que a indignação de muitos com os polêmicos juros praticados pelo Bacen, é capitularmos sem que caminhos outros sejam apontados, mesmo ao preço de serem tomados como exóticos, pois também na economia uma saudável dialética pode engendrar soluções ainda fora do nosso campo de visão.