Sábado, 11 de janeiro de 2025
Por Redação O Sul | 11 de janeiro de 2025
Com 220 deputados federais e dezessete senadores, a poderosa Frente Parlamentar Evangélica (FPE) sempre foi uma das bancadas, digamos, ideológicas mais coesas do Congresso, um oásis de consenso cuja capacidade de influenciar decisões tanto ofertou quanto amealhou benefícios nos quatro anos de governo de Jair Bolsonaro. Agora, pela primeira vez na sua história, iniciada em 2003, o grupo vive uma fissura interna: a escolha do novo líder, um acordo de compadres decidido a cada dois anos, desta vez é alvo de intensas costuras de bastidores que, se não prosperarem, podem desembocar em uma inédita votação.
Até recentemente tudo parecia caminhar para uma passagem de bastão sem rusgas para o deputado-pastor Otoni de Paula (MDB-RJ), que conta com o apoio do atual líder, Silas Câmara (Republicanos-AM). Otoni, no entanto, atritou-se com o clã Bolsonaro, deu passos para se distanciar dele e virou alvo da virulenta oratória do pastor bolsonarista Silas Malafaia. Sob o argumento de que “o mais novo comunista gospel” tem o governo Lula por trás de sua candidatura, Malafaia faz pressão para que outro deputado, Gilberto Nascimento (PSD-SP), assuma a liderança da FPE.
O racha, de fato, favorece Lula, que trabalha para melhorar sua relação com o segmento evangélico, no qual, segundo pesquisa recente, seu governo é desaprovado por 56%. Ao se descolar de Bolsonaro, Otoni, mesmo não caindo nos braços do PT, abre uma brecha para o Planalto tentar aplainar a relação com a FPE — um bloco conservador que lidera polêmicas “pautas de costumes”, como o PL do aborto, na contramão das bandeiras petistas.
“Estou propondo que a frente deixe de ser um puxadinho ideológico do bolsonarismo e seja uma frente política dos interesses do conservadorismo. E para isso precisamos de um mínimo de entendimento”, prega Otoni, que mantém bom trânsito com evangélicos governistas como Jorge Messias, advogado-geral da União, e Alexandre Padilha, ministro de Relações Institucionais da Presidência. Ele propõe, além de maior diálogo, uma mudança no perfil da frente, abrindo-se ao debate de “pautas cristãs” de cunho social.
Malafaia, que não tem mandato mas exerce grande influência na bancada, vê nessa atitude um pecado capital e anuncia aos quatro ventos que Otoni “não é confiável”. “Há até pouquíssimo tempo ele era um verdadeiro camicase contra Lula e seu governo e defensor ardoroso de Bolsonaro, com quem viajava no avião da Presidência. De repente, virou a casaca, e os deputados perceberam que o governo Lula quer interferir nessa brincadeira”, dispara o pastor.
Ataques de Malafaia
A ruptura do deputado com o bolsonarismo é fruto da corrida municipal do ano passado — sua ambição de disputar a prefeitura do Rio de Janeiro foi atropelada pela preferência do PL e da família Bolsonaro pelo nome de Alexandre Ramagem. Otoni, em contrapartida, mergulhou de cabeça na candidatura vitoriosa de Eduardo Paes — que é unha e carne com Lula —, levando junto as principais lideranças evangélicas do Rio. Não é segredo que o deputado evangélico tem sido procurado pela ala governista — no calor da campanha pelo segundo turno, inclusive, ele apareceu orando ao lado do presidente em uma cerimônia no Palácio do Planalto. “Nunca declarei apoio a Lula”, proclamou Otoni. “Continuo conservador e de direita. Mudei foi no radicalismo ao qual servi por muito tempo.”
Até a volta do recesso parlamentar, em 2 de fevereiro, as costuras para a liderança da frente devem seguir em conversas informais, envolvendo, inclusive, governistas, enquanto Malafaia, do lado de fora, insufla a guerra santa. Ele acusa Otoni e aliados de estarem de olho em cargos no governo Lula. “Otoni quer fazer graça para esse governo”, ataca. Todos negam — embora seu desafeto-mor admita que o nome do novo superintendente do DNIT no Rio passou por seu crivo.
Na prefeitura, comandada pelo amigo Paes, a influência do deputado é inegável — seu filho, que tem o mesmo nome, é o novo secretário de Cidadania e Família do Rio. “Na verdade, as lideranças atuais da frente já têm trânsito subterrâneo no Planalto”, diz o pastor batista e pesquisador Sérgio Dusilek. “Boa parte da bancada evangélica é ligada a partidos do Centrão, mais conhecidos pelo fisiologismo do que pela fidelidade ideológica.” Resta ver qual estandarte prevalecerá na cruzada pela liderança da FPE — e como Lula se beneficiará nesse belicoso jogo.