Santa Catarina é assolada por grandes enchentes e inundações há décadas, como em 1974, 1983, 1984, 1997. Uma das áreas mais afetadas, historicamente, é a Bacia Hidrográfica do Itajaí, onde vivem 1,1 milhão de habitantes (14% da população catarinense) em 52 cidades. É lá que está Blumenau, epicentro da tragédia de 2008.
Para se ter ideia, a primeira edição da Oktoberfest Blumenau, em 1984, surgiu para arrecadar fundos por causa das enchentes naquele ano e no anterior. Foram 65 mortes no estado nos dois anos.
Mas, as tragédias não causavam mudanças estruturais na prevenção de desastres, segundo Souza. “A água baixava, da mesma maneira que baixava o interesse”, afirmou Fabiano de Souza, secretário de Estado da Proteção e Defesa Civil.
No entanto, no desastre de 2008, além das mortes, os impactos econômicos também foram inéditos. Segundo o Banco Mundial, o estado perdeu R$ 9,2 bilhões [em valores corrigidos].
“Veio 2008, que na curva de danos e prejuízos teve um pico de prejuízo econômico. Boa parte da atividade econômica de Santa Catarina passava pelo Porto de Itajaí, o porto ficou parado durante 30 dias, o comércio de exportação ficou parado”, contou o secretário.
Segundo ele, isso “mudou a concepção” de prevenção a desastres naturais e se tornou um marco no estado.
Referência nacional
Hoje, Santa Catarina é vista como referência no monitoramento e prevenção de desastres por especialistas como Leandro Casagrande, engenheiro responsável pelo monitoramento hidrológico do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), Carlos Tucci, professor emérito do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH/UFRGS), e Rafael Schadeck, pesquisador do Ceped (Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil) da Universidade Federal de Santa Catarina.
Dados do Atlas de Desastres, organizado pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, mostram que, nos últimos 15 anos (2009 a 2023), Santa Catarina representou 6% do total das mortes do país em desastres. Nos 15 anos anteriores (94 a 2008), esse número era de 16%.
Para Schadeck, especialista em perdas em desastres naturais, é difícil estimar em valores o que foi evitado. “O que o que a gente previne não aparece. É igual o goleiro. Quando faz o trabalho dele, não aparece”, diz o pesquisador. “É visível que as perdas e as perdas e danos são mitigados com mais investimentos, com mais engenharia, com mais monitoramento, como o estado tem feito”.
O que mudou
• Investimento em monitoramento com transmissão de dados em tempo real;
• Alinhamento efetivo com os municípios de protocolos de ação em casos de desastres;
• Elevação da Defesa Civil ao primeiro escalão do governo (no estado, desde 2023, ela tem status de secretaria, e não um órgão subordinado a alguma).
Após a tragédia de 2008, o estado criou um comitê científico, que reuniu governo, universidades e a Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA).
Após três anos de estudo, em 2011, o relatório final apontou, entre outras coisas, a necessidade de criação de um centro de monitoramento e alerta – embrião do que viria a ser, quase uma década depois e ao custo de R$ 21 milhões, o Centro Integrado de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cigerd), que tem sede em Florianópolis e 20 unidades regionais espalhadas pelo estado.
A estrutura do centro foi inspirada no de Tóquio, no Japão, contou o secretário da Proteção e Defesa Civil do estado. Lá, minuto a minuto, meteorologistas, hidrólogos, geógrafos e outros especialistas acompanham imagens de satélite, monitoram rios, fazem cálculos e projetam cenários para o estado.
Monitoramento
O órgão é abastecido por dados de quatro radares meteorológicos, comprados por R$ 33 milhões, que cobrem todo o território de Santa Catarina e conseguem identificar formações de nuvens antes mesmo de chegarem ao estado – quando ainda estão no Rio Grande do Sul, no Paraná ou na Argentina (segundo o secretário de Estado da Proteção e Defesa Civil, Santa Catarina é o único estado do país com 100% de cobertura territorial por esses radares.)
Também chegam ao Cigerd os dados de monitoramento dos rios. O estado tem 1,8 mil estações hidrológicas, 8% das 23 mil existentes no Brasil, e 25% delas enviam dados em tempo real– acima da média do país, considerada baixa pelos especialistas, que é de 15%.
Na Bacia do Itajaí, palco dos maiores desastres naturais do estado, o governo investiu em uma rede própria de monitoramento, com 42 estações com transmissão de dados em tempo real. Além disso, todas possuem câmeras, painel solar e baterias.
“Se caso acontecer alguma coisa com o sensor, de ele perder contato ou estragar no meio de um evento [climático], a gente ainda consegue ver pela câmera a régua posicionada [que mede o nível do rio]”, conta Dieyson Pelinson, hidrólogo da Coordenadoria de monitoramento e alertas da Defesa Civil.